terça-feira, 25 de março de 2014

O GINÁSIO SALESIANO EM JUAZEIRO DO NORTE E O PROJETO EDUCACIONAL DO PADRE CÍCERO

Por ocasião do lançamento do livro O Colégio Salesiano em Juazeiro do Norte e o Projeto Educacional do Padre Cícero, de Núbia Ferreira Almeida, no dia 15.03.2014, no Colégio Salesiano de Juazeiro do Norte, ao apresentar a obra, fiz o seguinte pronunciamento:
Excelentíssimos Senhores Professores; Caríssima Professora Núbia Ferreira Almeida; Estimados alunos e ex-alunos deste Colégio Salesiano;Meus senhores e minhas senhoras: 
É com imenso prazer que vos declaro a minha grande alegria de estar aqui para testemunhar neste momento o lançamento da obra O Colégio Salesiano em Juazeiro do Norte e o Projeto Educacional do Padre Cícero, da professora Núbia Ferreira Almeida, da URCA. Não é menor esta alegria para alguém que viu de há vários anos atrás o nascimento deste projeto e a sua brilhante execução, ao tempo em que sua autora realizava o seu curso de doutoramento na Universidade Federal do Ceará, junto à sua Faculdade de Educação, sob a orientação brilhante da professora Juraci Maia Cavalcante. Privilégio foi o meu de ter sido modesto colaborador de sua feitura, por detalhes pequenos, quase insignificantes, mas que tiveram grande repercussão espiritual, por me trazer de volta lembranças deste velho casarão, deste egrégio estabelecimento do projeto espiritual e educacional de nosso patriarca.
Neste sentido, permitam-me relembrar-lhes o que pela sua disposição, o Padre Cícero já registrara em 04.10.1923, na terceira e última versão do seu testamento. Como se observa, naquele texto, a Congregação Salesiana é citada 20 vezes, quando no preâmbulo para introduzir suas vontades últimas, ele nos diz: “Eu, Padre Cícero Romão Baptista, achando-me adoentado, mas sem gravidade, e em meu perfeito juízo, e na incerteza do dia da minha morte, tomei a resolução de fazer o meu testamento e as minhas ultimas disposições, para o fim de dispôr dos meus bens, segundo me permitem as leis do meu paiz.” E segue afirmando que “Declaro ainda que todos os dinheiros que me fôram e continuam a ser dados, como offertas a mim unicamente, os tenho distribuído em actos de Caridade que estão no conhecimento de todos, bem como em grandes e vantajosas obras de agricultura, cujo resultado tenho apliccado em bens, que ora deixo, na mór parte para a Benemerita e Santa Congregação dos Salesianos, afim de que ella funde aqui, no Joazeiro, os seus Collegios de educação para crianças de ambos os sexos.”
Segue-se a isto as demais afirmações em que confirma a justificativa de tal gesto por assegurar que “...nenhuma se me afigura mais benemerita e de acção mais efficaz e de Caridade mais accentuada do que a dos bons e santos discipulos de D. Bosco, os Benemeritos Salesianos,...”,  completando, ao dizer que “para manutenção aqui da sua Obra de Caridade Christã, isto é, dos seus collegios, cuja existência desses mesmos Collegios nesta terra para todo e sempre, será a maior tranquilidade para minha alma na outra vida.” Em reforço a esta sua convicção, segue o patriarca a fazer menções sobre a benemerência dos legatários e o acerto de suas disposições, insistindo para que os romeiros, após a sua morte, “...não se retirem daqui nem o abandonem; que continuem domiciliados aqui, no Joazeiro, venerando e amando sempre a Santissima Virgem Mãe de Deus, único remedio de todas as nossas afflicções, auxiliando a manutenção do seu culto e de todas as instituições religiosas que aqui se fundarem e com especial menção a dos Benemeritos Padres Salesianos que serão os meus continuadores nas obras de Caridade que aqui iniciei.”
Não fossem redundantes, de certo modo, estas afirmações, e enfadonho mencioná-las, continuaríamos a relatar desnecessariamente a relação de bens disponibilizados, bem como as circunstâncias da doação, sempre com os mesmos propósitos da causa educacional e da Caridade Cristã, como ele assegura que deixando tais bens, confere esta missão de “...continuadores da “Obra de Caridade que emprhendi; e que sejam sempre bons e honestos, trabalhadores e crentes, amigos uns dos outros e obedientes e respeitadores as leis e as autoridades civis e da Santa Igreja Catholica Apostolica Romana, no seio da qual tão somente poderemos encontrar felicidades e salvação.” Mais que isto, em tese, foi específico ao se referir, por exemplo, à continuação da construção da Igreja do Horto, a despeito de todo o embroglio eclesiástico em que se viu envolvido. Esta condição de absoluto convencimento do patriarca chegou mesmo a gerar uma disposição interessantíssima que se acha na cláusula Décima Quarta, que diz textualmente: “Deixo mais todos os bens que escaparam de ser citados neste testamento e os que possa adquirir desta occasião até o meu fallecimento, repito, bens moveis, immoveis e semoventes á Congregação dos Padres Salesianos.”
Estes textos, por assim dizer, encerram o prenuncio deste Projeto Educacional que foi vislumbrado ainda em 1898, oportunidade em que, transitando pelo Recife para ir a Roma, o Padre Cícero conheceu de perto a obra Salesiana. Ele, por esta atitude, não só expõe a linha mestra de uma vontade atualíssima, pela causa da educação, mas tratou, igualmente, em fazer o que lhe cabia deixando objetivamente o caminho real e factível do financiamento da Educação, no que dependia a sua vontade expressa. Perdão, mas se hoje, neste confuso século XXI, olhamos a crise atual da sociedade e a violência que se abate, por exemplo, sobre esta nossa pobre cidade, o que não pensar da acumulação capitalista de grupos empresariais e clãs familiares que não tem a visão alargada por um horizonte mais distante, e com responsabilidade social para assumir o que lhe toca diante da necessidade intransferível de investir na educação do povo? Quantos de nós estamos escornados diante do discurso falacioso de poder e sociedade, driblando circunstâncias e escondendo situações e oportunidades para demonstrá-lo, de forma decidida e contundente? Há mais de cento e quinze anos atrás o Padre Cícero pensou e depois deixou a marca inequívoca de que era necessário fazer assim. E nós ainda não aprendemos a lição. Ele não teve dúvida em rever a disposição anterior e firmar, décadas depois, o testamento que consolidou estas ações, até hoje. Na narrativa histórica, encontramos os passos marcantes no post-mortem do patriarca, com a chegada dos primeiros educadores em 1939 e a abertura da casa em 1942. Neste ponto, professora Núbia Ferreira, sua obra é primorosa ao reconstituir este pano de fundo histórico, numa linguagem simples, sem rebuscamentos e floreados desnecessários, tornando-a, não obstante o caráter formal de tese doutoral, na sua meritória jornada de capacitação acadêmica, profundamente didática para nos introduzir até como personagens de muitas cenas. Isso porque, a nós, especialmente, os que já habitaram esta casa, as lembranças de suas vidas engrandecem a trajetória do estabelecimento, desde os primeiros tempos do velho e saudoso Instituto Salesiano Padre Cícero. 
É assim como, particularmente me sinto para, se me permitem, brevemente, fazer aqui uma proclamação pública do meu próprio jubileu e de tantos colegas dos bancos deste Colégio, entre 1961 e 1964. São os cinquenta anos dos que, como eu, deixaram este magnífico colégio, em dezembro de 1964, para alçar voos maiores, e num dia com este, volver ao vetusto casarão, em busca das saudades que deixamos ao longo de nossas caminhadas, por estas salas, por estes campos e por esta antiga capela, onde rezávamos à Mãe Auxiliadora para que nos desse juízo suficiente para seguir pela vida. Assim, me permitam, igualmente, que ao sabor destas emoções, fique aqui consignado que um punhado de 54 ginasianos ainda hoje lembrarão, e o farão eternamente, sendo que vários deles estão aqui nesta plateia. Tomo a liberdade de fazer memória daquele grato momento de nossas vidas, cinquenta anos depois para citar os Humanistas de 1964, cujo Patrono foi o industrial Dr. Ivan Rodrigues Bezerra, paraninfados por Pedro Capistrano (Gerente da agência local do BNB), oportunidade em que prestamos homenagens a Padre Luiz Alberto Peixoto (Professor de Português); Padre Gino Moratelli (Diretor do Ginásio Salesiano; aos nossos pais; ao Pe. Mário Balbi (Professor de Inglês), ao Pe. Manoel Ramos (Professor de Francês), ao Pe. Luiz Marinho Falcão (Professor de Geografia), ao Pe. Manoel Isaú dos Santos (Professor de História), aos professores Joaquina (Quininha) Gonçalves de Santana (Professora de Matemática), Luiz Magalhães (Professor do curso primário), Jorge Fernandes (Professor de Latim), José Macário (Professor do curso primário), Antônio Temóteo (Chagas) Bezerra (Proprietário da Expresso de Luxo), Édson Olegário de Santana (Prefeito Municipal de Missão Velha), Ednaldo Dantas (Então Presidente da Liga Desportiva Juazeirense - LDJ), empresário Luiz Gonçalves Pereira, e uma homenagem póstuma à senhora Maria Bezerra (mãe do colega José Bezerra e Silva, ex-professor desta casa, falecida naquele ano).  Éramos nós: Antônio Alves Carvalho, Antônio Izomar Cruz Martins, Antônio Magliônio Soares  Feitosa, Antonio Renato Soares de Casimiro, Antônio Vieira Leite, Bento Leite Soares, Cícero Antonio Onofre e Silva, Cícero Magalhães de Macena, Daniel Walker Almeida Marques, Diacir Andrade de Oliveira, Expedito Maurício Silva, Francisco Adonias de Morais Sobreira, Francisco Aguiar de Melo, Francisco Alencar Macêdo, Francisco Bezerra Pereira Lucas, Francisco Carlos Macedo Tavares, Francisco Casado de Araújo, Francisco Eduardo van den Brule Matos, Francisco Maurílio F. Cavalcante, Francisco Wilton Silva Barbosa,  Genival Almeida, Hiderval Jurumenha Ribeiro, Idalberto Zabulon de Figueiredo, Jairo Rodrigues Soares, João Batista Ferreira, João Bosco da Silva Cavalcante, João Macedo da Cruz, João Reginaldo Tenório, João Sobreira Rocha, João Tadeu Lustosa de Brito, José Alves Lopes, José Anastácio Tavares, José Antônio de Almeida, José Bezerra e Silva, José Carlos Pimentel e Silva, José Chagas Cassimiro, José Evaldo de Alencar Santos, José Evandro Filgueiras Magalhães, José Hélio Freitas Brito, José Iranto da Cruz, José Marques Filho, José Sodson Sabiá, José Waldizar de Figueiredo, José Wellington Amorim, José Wilson de Lima, Luiz Afonso de Oliveira, Luiz Robério de Alencar Gonçalves, Mário Sampaio, Osvaldo Rocha Reinaldo, Raimundo Carlos Alves Pereira, Raimundo Gomes de Lima, Roberto Alci da Silva, Vital Tavares de Sousa e Vivaldo de Carvalho Nilo. Espero, sinceramente, que esta confraria, não obstante a ausência sentida de vários que já partiram em data fora do combinado, tenhamos a sensibilidade de aqui voltar para celebrar esta imensa lembrança de cada um de nós, antes que este ano de tantos centenários se vá. 
Eu lhes falei deste fato que nos toca tão de perto, a propósito da imensa contribuição que o Colégio Salesiano de Juazeiro do Norte hoje acumula, mercê de sua existência e serviço à educação, impregnando gerações deste Cariri. O seu trabalho reflete com clareza este clima de sucesso que o empreendimento granjeou por toda a sua vida. Desde que a vi apresentar e discutir este trabalho, em memorável sessão pública defesa de tese na UFC, em 04.08.2011, pude sentir a sua paixão pelo tema, o caráter inédito de seu propósito em nos revelar, em textos, contextos, pretextos e entrelinhas, um colégio que se firmara perante a sociedade para formar elites e o povo do Cariri. 
Você, professora Núbia Ferreira, soube contextualizar a trajetória do educandário salesiano em meio a uma história de um ambiente rico, social, religiosa e culturalmente. Cuidadosa e muito atenta, você não descurou nem da interdisciplinaridade, e muito menos da transdisciplinaridade que o fato enseja, assegurando que não nos faltasse, por fontes de grande extensão e significação, fortes subsídios, a visão plural de olhares educacionais, sociológicos, antropológicos, econômicos e religiosos. Você rebuscou fontes bibliográficas de grande precisão, não colecionando menções simplórias e gratuitas, para subsidiar, por exemplo, como se pode ver na contemporaneidade os matizes ambíguos do atual inovador, frente à marca conservadora da educação salesiana. Você foi inquieta a mais não poder ser, ao coletar depoimentos valiosos de tantos quantos os que, por diversas gerações aqui se educaram, e para isto se fez repórter de muitas entrevistas. Visitou e trabalhou diligentemente em tantas cidades brasileiras por onde se espraiou a marca conceituada dos filhos de D. Bosco. E como não podia deixar de ser, tendo boca, foi a Roma e outras cidades italianas, para que não lhe faltasse a fonte segura da origem de tudo. Ao revisitar a experiência das Escolas Profissionalizantes, você mergulhou fundo na compreensão desta experiência que procurava atualizar a missão educacional entre nós, em sintonia com os ditames da Reforma Educacional que se fez sob a égide de Lourenço Filho, após os anos 30.
De mais a mais, como assevera o Pe. Antenor de Andrade Silva, ao apresentar-lhe no corpo da obra, você “viu e compreendeu a História do Colégio Salesiano de Juazeiro do Norte-CE, reconstruindo-lhe suas raízes e apresentando seus frutos, durante os 73 anos da instituição.” Este testemunho é sabiamente importante, porque ninguém melhor que Antenor Andrade, com autoridade para reconhecer, para firmá-lo, diante da sua enorme contribuição no reordenamento da base documental do Arquivo Salesiano de Juazeiro do Norte e de outras casas da Congregação. Afinal, é ainda a ele, e igualmente à memória de Manoel Isaú que o Juazeiro do Norte deve um reconhecimento pelas atenções com as quais este fato mais ainda nos engrandeceu pelo conhecimento de nosso passado. 
Enfim, hoje aos 75 anos de fundado, o Instituto Salesiano Padre Cícero, ou Ginásio Salesiano São João Bosco ou, simplesmente, Colégio Salesiano de Juazeiro do Norte, vive a perplexidade destes novos tempos, entre as propostas de uma educação inovadora e as ligações profundas e estruturantes do ensino marcado por atenções e diretrizes da religião. Essas armas poderosas guardam munição suficiente para nos ajudar a superar os desafios do que nos fazem mergulhar em profunda crise ética e moral. Esqueçam! Este mundo velho não vive outras angústias, especialmente no campo econômico-financeiro. Ainda será no arsenal da escola que o mundo encontrará soluções para suas perturbações. No nosso caso, desta pobre cidade, desassistida de sensibilidades coletivas entre o privado e o público, não há dúvida que a célula mais importante, a família, ainda buscará na velha e consolidada experiência dos Salesianos entre nós, o memento indispensável na escolha da responsabilidade sobre a educação de seus filhos. Hoje o Cariri cearense vive a grande euforia do polo universitário. Mas não pode esquecer, por hipótese alguma, que a sua base, decorrente do ensino fundamente, no geral, é frágil, e está necessitando cada vez mais, de cada um de nós, usuários, mas também dos educadores, das instituições e dos governos, o mais pleno possível atendimento a todas estas demandas sociais. O que vamos poder encontrar mais substancioso que isto?
Este seu livro, professora Núbia Ferreira, é um dos mais relevantes contributos à esta missão. Não só para rever historicamente o Colégio e analisar suas ações, mas principalmente para delas recolher as lições que ajudaram a construir, bem ou mal, esta sociedade que ora et labora. Mas que, certamente, ainda continuará a moldar a consciência e a competência de gerações que trabalharão pelo nosso desenvolvimento regional, pelo menos.  Ele se junta ao que já foram as belas análises e revisões sobre experiência contemporânea da primeira Escola Normal Rural do Brasil, entre nós. Por isso mesmo, ambas, já construíram um painel da maior valia para nos esclarecer sobre este significado e missão educacional na promoção do homem, frente a esta realidade desta nossa cidade. O seu livro abre espaços generosos para que outras experiências bem conduzidas sejam reavaliadas, como as do Ginásio Mons. Macedo, da Escola Técnica de Comércio, da Escola Batista do Cariri e de outros mais. Pelos séculos afora, seremos, sem dúvida, isto mesmo, a cidade do Padre Cícero. Sua obra nos demonstra o que até em tom profético foi assegurado para que, pela Educação, fôssemos uma sociedade melhor. 
Parabéns! 
Estamos todos felizes porque, nesta noite, dentre outras coisas, professora Núbia Ferreira Almeida, como boa filha à casa paterna você voltou. Aliás, voltamos todos nós para este reencontro com fatos e pessoas, para que eles nos digam de um tempo quando ainda estávamos aqui, éramos felizes e talvez nem soubéssemos. 
Muito obrigado.