terça-feira, 18 de novembro de 2014



BOA TARDE
Dou continuidade à publicação nesta página das pequenas crônicas que estão sendo lidas no Jornal da Tarde (FM Rádio Padre Cícero, 104,9 de Juazeiro do Norte) nos dias de segundas, quartas e sextas feiras, sob o título Boa Tarde para Você.
082: (12.11.2014) Boa Tarde para Você, José Alcy Pinheiro
Você não imagina, meu caro amigo, a enorme alegria em tê-lo abraçado ontem, depois de vários anos, para saber que, finalmente você está concluindo o seu esperado depoimento sobre a eletrificação do Cariri. Eu penso que este é um capítulo de nossa história recente que de fato precisa ser bem contado por alguém que viveu esta saga por dentro, com você, o primeiro funcionário da então Companhia de Eletrificação do Cariri, e por muitos anos. A propósito desta eletrificação, Zé Alcy, eu já relembrei aqui, numa destas crônicas, que este fato teve diversos episódios memoráveis e importantíssimos. Num primeiro momento é oportuno lembrar a bravura de uns caririenses que lutaram contra a enviesada concepção da extensão das redes, desde Paulo Afonso, em flagrante confronto com os interesses do então ministro Virgílio Távora. Virgílio havia costurado um acordão que envolvia lideranças da Paraíba e do Rio Grande do Norte, e por ele a linha a ser construída passava por Campina Grande e Mossoró, para atingir Fortaleza. Os técnicos da CHESF, tendo a frente a extraordinária figura do engenheiro Antônio José Alves de Souza se opunham a esta obra, pois já tinham, se detido substancialmente sobre a viabilidade da rota Paulo Afonso-Milagres. Ganhamos isto, Zé Alcy, perante Getúlio Vargas, em 1953, também pelas vozes altivas de Felipe Neri da Silva, de Antônio Correa Celestino, de José Maria de Figueiredo e de Colombo de Sousa. Esta história é particularmente importante porque no caso do Ceará, como já muito bem referia o professor Antônio Martins Filho, de enorme e saudosa memória, toda a marca de desenvolvimento do Estado se assenta sobre duas coisas: a eletrificação e a sua universidade. E nisto ele tinha absoluta razão, pois se aplica com o uma luva no Cariri, pois os fios de Paulo Afonso chegaram primeiro, embora só 50 anos depois vimos um meio universitário pujante, fruto das atenções do poder público, e do grande esforço manifestado pela iniciativa privada, semeando cursos às dezenas em nossa terra. Por mais que tenha tentado, Zé Alcy, infelizmente eu não pude construir uma cronologia que me esclarecesse o passo a passo desta grande conquista. O mais que pude foi me debruçar sobre fatos isolados, e nisso aguardo a precisão do seu relato. Há alguns livros que tangenciam o caso do Cariri, pela situação mais emblemática de que ela iniciou o grande surto do Estado. No início desta história, com a determinação do governo federal, foi fundada a SOELCA – Sociedade de Eletrificação do Cariri, uma iniciativa de curta duração que logo foi substituída pela criação da CELCA – Companhia de Eletrificação do Cariri, constituída em 28.10.1960. Ela foi fundada como sociedade anônima de economia mista formada por capitais da União, através da CHESF, do Governo do Ceará, das Prefeituras e do povo do Cariri. Como você, Zé Alcy, tão bem sabe, sua criação foi determinada primordialmente para que houvesse um organismo responsável pela construção do sistema e a comercialização da energia gerada, depois de ter realizado a construção do sistema (estação abaixadora, posteamento, rede de distribuição). Tanto que a sede da Companhia, já funcionava a partir de 01.05.1960. Quero crer que aí você, Zé Alcy, já estava no batente e juntando fatos que desembarcarão em breve neste livro ansiosamente aguardado. O prof. Espedito Cornélio, o segundo superintendente da CELCA, entre 09.12.1966 e 14.08.1968, publicou um livro sobre a Saga da Eletrificação, mas infelizmente a obra não respondeu à maior parte de nossa ansiedade, não obstante a obra poética que legou. Enfim, José Alcy Pinheiro, estamos atentos e ansiosos para ler este livro a que você tem se dedicado e que é parte relevante de sua própria existência.
(Crônica lida durante o Jornal da Tarde, da FM Padre Cícero, Juazeiro do Norte, em 12.11.2014)
083: (14.11.2014) Boa Tarde para Você, Célia Maria e Silva Morais.
Um pequeno desconforto, coisa natural de um transeunte apressado nas ruas de Juazeiro, me levou esta manhã a reler o poema As Calçadas de Juazeiro, de Célia Morais, a quem cumprimento nesta tarde.
Ai que saudades que eu tenho / Das calçadas de Juazeiro / Quando eu era bem pequena / E brincava o dia inteiro / Nas calçadas de tijolo / Sempre eu chegava primeiro;
Eram calçadas tão largas / Mais pareciam uma pista / Andava de bicicleta, patinete e patins / As da Rua Padre Cícero / Eram lindas de morrer / E nas Malvas nem se fala / Pois foi lá onde eu morei;
Calçadas também escutavam / Histórias de assombração / Depois vinham as brincadeiras / Camaleão olha o rabo dele / Noites passam depressa / Não tinha televisão;
Passou-se o tempo e eu passei / A ver o que não queria / A ver o que aconteceu / E acho que não gostei / Calçadas de Juazeiro / Não tem mais, desapareceu;
Tem calçada que sobe / Tem calçada que desce / De repente ela encurta / De repente ela cresce / E nesse vai e vem / A coluna é que padece;
Você acha isso certo? / Você acha isso bom? / Ver o povo na rua / Pois calçada não tem / E já se perguntou? / Porque isso acontece?
Só encontra a resposta / Quem dirige um transporte / Você acha isso grosseiro? / Falta de educação? / Pois isso só acontece / Pra quem mora em Juazeiro / E é coisa sem solução;
Eita terrinha sem lei / Terrinha sem urbanismo / Aqui não dá para cantar / “Se essa rua fosse minha…” / Pois se você for tentar / Você cai é num abismo;
Uma coisa vou lhe dizer / É uma pena que seja assim / Pois eu amo essa terrinha / Terrinha do meu Padim / E tomo a liberdade / De achar isso ruim;
Com calçada ou sem calçada / Vou ficando por aqui / Estou beirando os setenta / Não ando mais de patins / Pra que calçada tão grande? / Pra que calçada sem fim?
Você escreveu estes versos há uns seis anos passados, Célia, e a minha leitura me enseja um misto de sentimento saudosista em quase tom profético. Esse, sem dúvida é um dos inúmeros motes que podemos recolher de velhos moradores desta antiga vila para lamentar, mas, principalmente, para refletir sobre o que temos feito ou o que temos nos permitido que se faça com esta nossa cidade amada. Perdão, Célia, mas não vale a pena dizer que a cidade é mais errada pelos descaminhos de suas calçadas, mas nunca poderemos deixar de lado e nos conformar que tenhamos atravessado todo um século sem que merecêssemos a atenção de um plano diretor urbanístico. Hoje vivemos uma quase dicotomia entre a cidade velha e seu centro, e os largos e ainda promissores novos espaços da urbanização que repetem o vexame de sempre, com imóveis geminados e sem recuos, calçadas estreitas e acidentadas, lotes que fazem vexame até diante de casas populares e ruas que logo se saturam pela avassalagem de motos e carros. Não sei mesmo, Célia, onde nos distraímos para não ter cobrado com a veemência necessária que tantos gestores não passassem por aqui sem uma solução marcante e estruturante para este nosso crescimento e inchaço. Não sei mesmo como justificar que seja tão difícil rever os gabaritos das nossas premissas urbanísticas, como também não sei como justificar que seja tão difícil construir nesta cidade as avenidas e as praças que ela tanto reclama, para que respiremos mais aliviados. Aceito e louvo, Célia, a sua provocação poética, os versos simples de um coração magoado e carinhoso para com seu chão amado. Sempre que conto com suas reflexões sobre as postagens regulares da Memória Fotográfica de Juazeiro do Norte, em página do Facebook, quando ficamos muitas horas a admirar a riqueza arquitetônica que herdamos da velha cidade do Patriarca, logo me vem à cena o verso inesquecível de Maria Gonçalves da Rocha Leal: “Meu Juá, meu Juazeiro/ como te vejo hoje, e como te vi primeiro”. E olhando para aquelas imagens, Célia, também vou lembrando o verso inesquecível de Drumond, vivendo a mesma angústia e que me permite dizer, analogamente: “Juazeiro é apenas uma fotografia na parede. Mas, como doi...”
(Crônica lida durante o Jornal da Tarde, da FM Padre Cícero, Juazeiro do Norte, em 14.11.2014)

084: (17.11.2014) Boa Tarde para Você, Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros
Como a 43 anos já passados e vividos, será muito prazeroso, logo mais, abraçá-la neste reencontro durante a abertura do IV Simpósio Internacional sobre Padre Cícero, aqui no Memorial. Será inevitável, Luitgarde, que me ocorram velhas lembranças desde aquele dia, numa manhã ensolarada de domingo, na residência de Mons. Azarias Sobreira, em Fortaleza, quando dele recebi a incumbência para protegê-la e facilitar-lhe a vida nas pesquisas a caminho do Juazeiro. O que foi possível fazer desde então, varou este novo século, carregando para a atualidade uma maravilhosa vivência de nossas famílias, de tantas outras famílias deste Cariri, em torno da memória e das histórias destas nossas terras. Pena que o tempo abateu do nosso convívio um grupo numeroso de gente maravilhosa que fazia este relacionamento, velhas e amadas criaturas, guardiãs da tradição e de afetos que marcaram definitivamente os nossos trajetos curiosos. Agora você está de volta, aos apelos intransferíveis dos que partilharam grandes emoções, trabalhos e reflexões acadêmicas, para revisitar os caminhos antigos. E aí, jagunça? (para lembrar-lhe o apelido posto e merecido, do seu velho colega docente de faculdade, Darci Ribeiro), que ânimo ainda lhe traz a esta santa terra do Tabuleiro Grande, em busca dos caminhos de nosso Patriarca? No começo de 1971, Luite, você era uma estudante na UFRJ e depois na PUC de São Paulo, e chegou aqui para realizar a pesquisa que redundaria no belíssimo A Terra da Mãe de Deus, sua dissertação de mestrado, depois tornada livro de leitura e menção obrigatórias a quem desejasse continuar-lhe a missão. Fazia pouco, mas você havia deixado a Fisioterapia, graduação anterior pela Escola de Reabilitação do Rio de Janeiro, em 1966, para se tornar antropóloga, licenciando-se e bacharelando-se em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1968. Daí por diante, foi o que vimos e pelo qual tanto vibramos: Doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1980; Pós-Doutorado em Antropologia pela UNICAMP, em 1999 e, de novo, outro Pós Doutorado em Ciência da Literatura pela UFRJ, em 2008. Invejo-a, Luite, por vê-la sempre com tanto gás, agora, depois da aposentadoria na UFRJ, novamente professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), tanto em graduação quanto em pós-graduação, porque não é fácil, e seria temeroso, dispensar a sua larga experiência na área de Antropologia, com ênfase nos temas de pensamento social brasileiro, movimentos sociais, catolicismo popular, antropologia política, antropologia da violência, antropologia da literatura, memória e história oral. Tenho num canto especial da biblioteca aqui de casa, com grande afeição, o ajuntamento magnífico das leituras de quase tudo o que você produziu nestes anos em livros sobre Padre Cícero, Arthur Ramos, Lampião, Nelson Werneck Sodré, Octávio Brandão, Nise da Silveira, Guerra-Peixe e a memória e a história oral dos bairros portuários do Rio de Janeiro, bem como uma boa parte da mais de uma centena de capítulos de livros e artigos em periódicos e jornais, no Brasil e no exterior. Aí eu a encontro, firme, ereta, digna e competente para transitar leve e solta por conteúdos tão apaixonantes. Aí eu a encontro irredutível nas suas convicções, a não fazer concessões fáceis e a interpretações simplórias que nos ajudam a compreender esta realidade que ainda nos cerca, por exemplo, no contexto da grande nação romeira. Seja bem vinda a esta sua terra, professora Luitgarde Barros, você que é cidadã juazeirense de tantos méritos. Méritos estes lembrados por serviços continuados de permanente atenção a tantos quantos que se socorreram da sua competência em todos estes anos.
(Crônica lida durante o Jornal da Tarde, da FM Padre Cícero, Juazeiro do Norte, em 17.11.2014)

PACTO DOS CORONÉIS
Lentamente estamos formando uma galeria para identificar todos os participantes do Pacto dos Coronéis, em Juazeiro do Norte. Agora nos é fornecida por João Tavares Calixto Júnior uma foto do representante da cidade de Aurora.  Agradeço e transcrevo abaixo a anotação que João Tavares Calixto Júnior fez na minha página do Facebook. “O Coronel Cândido Ribeiro Campos (Cândido Fernandes da Silva), conhecido em seu tempo por Cândido do Pavão, era natural do sítio Antas em Aurora. Filho de Matias Fernandes da Silva (pedreiro que trabalhou na ampliação da Capela do Senhor Menino Deus em 1864) e Antônia da Encarnação Monteiro, substituiu o sobrenome Fernandes da Silva por Ribeiro Campos, por ocasião de “qualificar-se”, para tirar o título eleitoral. Foi um dos mais importantes chefes políticos do Cariri em sua época, e pai de prole numerosa, sendo o Padre Januário Campos, o filho de atuação mais marcante. Casou-se com Ana Maria de Jesus (Naninha), instalando-se no sítio Martins, de seu tio materno João Monteiro. Transferiu-se em 1902 para o sítio Pavão, antiga propriedade do mosteiro de São Bento, de Olinda, à época, em poder do padre Cícero Romão Batista, que a havia comprado. Era encarregado da cobrança dos dízimos dos que ocupavam as terras sob o domínio eclesiástico, as quais mediam três léguas de comprimento por uma légua de largura, de ambos os lados do rio Salgado, estendendo-se do riacho dos Mocós até o riacho do Juiz. Tornou-se, por força da arrecadação das alíquotas, de grande confiança do Padre Cícero Romão Batista, o que lhe conferiu notoriedade, ocupando cargos importantes em Aurora, como o de suplente de Juiz substituto, presidente da Câmara e Prefeito Municipal, cargo, este último, ocupado em face aos fatídicos episódios de 1908, onde, com a deposição do coronel Totonho do Monte Alegre, assume ele, Cândido do Pavão, o cargo de Intendente Municipal de 1908 a 1914, e posteriormente, de 1921 a 1926. Em carta do Padre Cícero ao Cel. Cândido do Pavão, datada de 13 de outubro de 1916, observa-se referências sobre a situação de perda de seu rebanho bovino, ora localizado em suas terras em Aurora. Segue trecho do lançamento: “... A paz de Deus o guarde e família. Tendo precisão de fazer minha criação de gado e animais nesta propriedade que comprei aos padres de S. Bento, mandei lá José Xavier e o meu vaqueiro e disseram-me eles que o lugar que presta é o Pavão. Havia passado procuração bastante ao Sr. José Xavier para tratar de qualquer negócio com qualquer um que estivesse no lugar mais apropriado, e resolver, como fosse justo. O Pavão foi o melhor que acharam. Portanto, não estranhe em exigir para estabelecer-me que boto aí, eu perco o resto da criação que está mal colocada. Portanto, lhe aviso que não posso mais arrendar aí, e em janeiro mandarei o José e o vaqueiro para aí. A respeito de sua casa, cercados, indenizo por preço razoável. Eu lhe digo com pena porque lhe desejo a si e a todos todo bem que posso desejar, porém não tenho outro lugar que se preste para a criação que já estou perdendo. É muito melhor que compre uma propriedade onde firme seus trabalhos e deixe sua família colocada em propriedade sua. Reflita bem que verá que é mais justo e melhor. De seu amigo e compadre. P. Cícero Romão Batista”. Participante no famoso episódio do "Pacto dos Coronéis", representando o município de Aurora, Cândido atuou de forma ativa na truculenta briga pelo litígio do poder no Cariri, figurando em diversas cenas do coronelismo regional, como na "Questão do Coxá", Ataque de 8 em Aurora, Morte de Izaías Arruda, entre outros. Veio a falecer aos 24 de julho de 1936.
(Para rever a participação de Cândido Ribeiro Campos no Pacto dos Coronéis, consulte: