Dou continuidade à publicação nesta
página das pequenas crônicas que estão sendo lidas no Jornal da Tarde (FM Rádio
Padre Cícero, 104,9 de Juazeiro do Norte) nos dias de segundas, quartas e
sextas feiras, sob o título Boa Tarde para Você.
120: (16.02.2015) Boa Tarde para Você,
Cícero Wagner de Almeida Pinheiro
Fazia bom tempo que não lhe via, meu
amigo Ciço Wagner, e no nosso último encontro na Praça você foi direto, sem me
dar chance de um abraço, quando me perguntou: O que fazer para salvar o nosso
rio Salgadinho? Eu já pus no papel e divulguei as minhas mágoas ao ter visto em
50 anos de contemplação a gradativa degradação deste riozinho de minha aldeia
que hoje se apresenta tão completamente descaracterizado, como se fosse parte
da nossa rede de esgoto a céu aberto. Se não for uma visão muito simplista, estribada
em longos 22 anos com a experiência gratificante de ter aprendido a respeitar o
meio ambiente como gestor de uma estação de tratamento de efluentes, e
respondendo a seu questionamento, eu enumeraria os seguintes propósitos:
Primeiro: Você - Bagada, eu, o prefeito, o vereador, o juiz, o bispo, o
delegado, o chefe de família, a dona da casa, o cidadão cumpridor de seus
deveres civis e pagador de impostos, todos, enfim, temos de fazer um esforço
para não continuar jogando nossas fezes no Salgadinho. Segundo: Não é possível
conviver com os lançamentos não autorizados, a propósito de não querer pagar
pelo serviço público, sob qualquer pretexto de valores de tarifas, pois afinal
que diferença há neste nosso entendimento sobre luz, telefone, água e qualquer
outro serviço público e comunitário? Terceiro: É precioso combater este
espírito de porco que há onde menos se espera e que vem de espertezas de
grandes impactantes como os equipamentos do próprio município, e instalações
tais como as industriais, as comerciais e as de serviços. Quarto: Custe o que
custar, o Salgadinho precisa de uma grande intervenção que implique na sua
revitalização, sem dispensar a necessária canalização urbana, mesmo porque isto
permitirá a ocupação de solos que hoje impedem a expansão urbana em certas
direções. Quinto: Evidentemente não basta fazer qualquer coisa com o Salgadinho
se a infraestrutura de saneamento da cidade não for agregada com um mais amplo
serviço de drenagem e a melhoria urgente da Estação de Tratamento da CAGECE. Talvez
isto não esgote tudo o que de bom ainda temos para fazer por este riacho, já
que ele é parte desta mínima geografia de um município que vive dia-a-dia o
agravamento de suas questões ambientais, acentuadas pelos parcos recursos
hídricos. A crise da água, como no sudeste, tem mostrado a inadiável
necessidade de tratar estes efluentes que emporcam os rios, para que, uma vez
tratados, se destinem a reuso humano, controlado, para que não fique a
impressão de que vamos novamente beber e tomar banho com esgoto. Foi o que vi
outro dia, perplexo, pela voz autorizada de meu antigo mestre de recursos
hídricos na USP, prof. Ivanildo Espanhol, a nos falar da necessidade de
potabilizar as águas de reuso, lançadas em algum manancial, após o tratamento
de bacias de estabilização, como as que temos aqui. Não seria nada estranho,
Dr. Cícero Wagner, você que é engenheiro, compreender que necessitamos também
constituir mais espelhos d´água em nosso município, como lagos e lagoas de modo
a nos ajudar a suportar a agressividade destes efluentes e as perturbações
climáticas que vivemos. Mas, não há dúvida, a solução correta para o rio
Salgadinho também depende de como temos que enfrentar o que já vem desde o além
de nossas fronteiras, de outras contribuições sobre as quais nenhuma
ingerência, nem nós nem o nosso poder público tem. Por isso mesmo, ela é cara,
é demorada, é complexa e jamais será ação da vontade de um só homem, por maior
que seja o seu interesse, determinação e dedicação. Mas, não temos que nos
animar ou nos conformar com algo que difira disto, pois o Salgadinho,
desgraçada seja a sua situação, simplesmente não pode ser riscado do mapa,
nesta pouca Geografia do município, como já nos advertia o Pe. Murilo de Sá
Barreto, para que nos façamos alegres, com as muitas Histórias de nossas vidas
que temos para contar. Isto tudo é urgente, urgentíssimo, pois esta é uma das
coisas que necessitamos fazer por este nosso Juazeirinho, para não deixarmos
nada para depois. Nem o futuro que a Deus pertence.
(Crônica lida durante o Jornal da Tarde,
da FM Padre Cícero, Juazeiro do Norte, em 16.02.2015)
BOA TARDE (II)
121: (18.02.2015) Boa Tarde para Você,
Elizabeth Ribeiro Tavares
Eu tenho sido advertido por diversos
amigos e até pessoas que me reconhecem pelas ruas que estas crônicas devem
lembrar, num tributo muito merecido, e em sinal de resgate da vida e da obra de
muitas pessoas ilustradas, e principalmente de anônimos esquecidos, para
relevar-lhes nos seus grandes exemplos. Por alguma razão que não se assemelha a
nenhuma descriminação de que tenham sido lembradas algumas pessoas do meu afeto
comum, eu me penitencio aqui que não tenha sido possível, em vida, saudar
nestas crônicas o Francisco Silva (Foguinho), o Francisco de Assis Ferreira
Lopes (o Escurinho), e por último, o José Tavares Noca. Ontem, Elizabeth,
estivemos ao seu lado e junto de seus familiares durante a celebração da santa
missa, no sétimo dia da ressureição de seu pai, José Tavares Noca, falecido aos
oitenta e três anos, no último dia 11. Bem imagino como tem sido duro para
vocês receber todo este apreço, numa procissão interminável que procura
confortar-lhes diante desta ausência que não quer calar, num sentimento próprio
do que Rachel de Queiroz já nos estimulávamos a crer: “Somos imortais, não
somos imorríveis”. Por estes dias, uns falaram em boa prosa, outros, como Jevan
Siqueira, lembraram em poesia, pois ao Zé por todos nós perdido era parte deste
clima nostálgico de tantas memórias da ambiência destas velhas amizades,
entrecortadas por sons de músicas inesquecíveis. Jevan, por exemplo, Elizabeth,
escreveu: “Quando um livro perde a página / Perde o gosto e a poesia / É quando
se perde um amigo / Completando sete dias / É um adeus que se deu / foi pra nós
um grande adeus / A José e à boemia.” “Sete dias sem o amigo / Nosso Zé Tavares
Noca / um amigo sem rasuras / que não era de fofoca / Essa viagem ele fez / Foi
direto de uma vez / Sem pular nenhuma grota.” “Seus amigos ainda choram / Zé
Tavares sua partida / Nos deixou órfãos e com dor / Que não vai ser esquecida /
Se desse certo juntar / Seus amigos pra formar / Outro Zé pra nossa vida...”
Nestas circunstâncias, costumo lembrar a carta de Paulo a Timóteo: “Combati o
bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça
me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não
somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda.” Por todos os
motivos, Elizabeth, Zé Tavares foi um homem simples e ninguém deixou de nos
dizer quanto foi bom e prestativo, alegre e solidário, sendo sempre uma
presença desejada, alguém que nos trouxe um clima ameno na conversa e no
relacionamento, e por isto vai fazer falta. Por paradoxal que nos posso parecer
é esta falta que vai nos consolar, a certeza inevitável que ele nos legou uma
perspectiva de busca, aquilo que não deve nos satisfazer apenas pelo
necessário, senão pelo fundamental, o que alimenta a nossa luta em todos os
momentos de nossas vidas. O Zé Tavares despediu-se de nós e o fez não porque
viveu uma vida pequena, superficial e inútil, mas porque soube marca-la com um
sinal de paz, com um serviço que foi ao próximo e por um legado que sua família
enaltece. Estes fazem e farão falta, Elizabeth, pois não é sendo o famoso que
se justifica nesta memória, nesta querência, neste afeto, é aquele que se
reconhece pela obra que nos lega e que alegrou e confortou nossas dores e
nossos momentos. Foi-se Zé Tavares para a eternidade dos nossos sonhos e em
cada um de nós ficou a imagem de um homem bom, um companheiro agradável em
todos os momentos mais simples da vida, alguém que não se fez banal, nem
banalizou-se no caminho da vida que viveu.
(Crônica lida durante o Jornal da Tarde,
da FM Padre Cícero, Juazeiro do Norte, em 18.02.2015)
BOA TARDE (III)
122: (20.02.2015) Boa Tarde para Você,
Pe. Giuseppe Venturelli
Giuseppe Venturelli, este mesmo que
seguimos apelidando de José, filho de Lucia e Giovanni Venturelli, nascido em
26 de agosto de 1944, em Sona, Itália, e ordenado padre em 26 de Março de 1972,
em Verona, é este Salesiano que está conosco há uns 15 anos, se mal calculo.
Seus amigos mais antigos na missão em Areia Branca, RN, desde os idos de agosto
de 1978, falam ainda hoje com certo orgulho, do fato que este José, em
demorados 16 anos de trabalhos como Diretor da obra e vigário, terminou se
incorporando à história do lugar. Venturelli veio para o Nordeste, sendo um dos
pioneiros da nova fronteira missionária que contemplava Areia Branca, Grossos,
Tibau e Serra do Mel, construindo casas populares, escola especial, centros
juvenis, centros de pastoral paroquial, oficina mecânica e outros marcos.
Terminada esta fase importante da vida missionária, o Pe. José, como se referem
os potiguares, a Inspetoria do Nordeste o removeu para novo e importante
desafio, na direção deste Juazeiro, aqui tendo acumulado funções de
responsabilidade em diversos segmentos da Ordem entre nós. Mas foi como
administrador do Horto, propriedade secular no topo da Serra do Catolé, que
Venturelli termina por legar o melhor do seu empenho, com a construção da
ansiosamente aguardada Igreja do Bom Jesus do Horto, edifício proibido desde os
idos de 1904. Mas, Pe. José Venturelli deverá ser reconhecido também como alguém
que lutou e conseguiu restaurar a Estátua do Patriarca, o velho Casarão do Pe.
Cícero, as Muralhas que protegeram o Juazeiro na Sedição de 1914 e a respectiva
Casa da Pólvora, as melhorias do Acesso ao Santo Sepulcro e outras obras de
arte do sítio histórico. Eu considero importante o seu esforço para melhorar o
Museu da Casa do Pe. Cícero, um dos mais visitados museus deste pais, embora me
mantenha como um crítico severo do estado em que os Salesianos insistem em
deixa-lo à margem de investimentos, ao relevo que ocupa. Agora estamos sabendo
que a Pia Sociedade de São Francisco de Sales, a ordem Salesiana, por sua
Inspetoria do Nordeste está removendo o Pe. José Venturelli para novos encargos
em destino, pelo menos a mim, não revelado. A verdade é que ao lado do nosso
entendimento quanto difícil será substituí-lo, não há o que retocar naquilo em
que tememos pelo futuro do Horto, como propriedade privada Salesiana, herança
de um patrimônio da nação romeira, e sítio de uma das mais amplas
responsabilidades sociais existentes entre nós. Para se fazer respeitado e para
fazer respeitada a obra que representava, o Pe. José Venturelli feriu muitas
sensibilidades, todas contrariadas entre iniciativa privada e poder público,
pois foi grosseiro, deselegante, mal educado, truculento, e até pareceu
desrespeitoso. Mas, justiça se faça, pois José Venturelli não foi o mal
necessário à retomada do Horto como uma parte desta terra sagrada, autêntico
refrigério sertanejo, senão o operário de uma grande obra, deste novo templo
que consome sangue e suor nordestino, dos afilhados do Padre Cícero. Por isto,
Pe. Venturelli, com as minhas desculpas, se assim lhe convenço na minha
sinceridade, hoje eu posso lhe afirmar que lhe dedico o respeito necessário ao
que você nos deixa, ao daqui sair para uma nova missão, reconhecendo o zelo, o
empenho e a responsabilidade por tudo quanto realizou. Não é problema seu, se
você nos deixa incertezas e temores que se acendem no alto da serra, se nos
parece pouco crível que alguém esteja pronto para sucedê-lo, a ponto de manter
a ordem, a paz, e aquele recanto quase paradisíaco, à margem da violência
urbana. Desejamos felicidades à sua vida, a estes novos caminhos que a sua
Ordem lhe impõe, porque ela sabe, como ninguém, muito mais que nós, quem a este
tempo e aos seus caminhos foi o missionário temperado que se forjou na vida
destes sertões. O Horto, e tudo o que se configurou no alto da colina, como
parte desta Jerusalém terrestre, vai ficar sob as nossas vistas, vigilantes e
apreensivas, e a nossa boa vontade para continuar fazendo por sua preservação,
para que ela nunca deixe de ser aquela derradeira paragem da utopia sertaneja.
(Crônica lida durante o Jornal da Tarde,
da FM Padre Cícero, Juazeiro do Norte, em 20.02.2015)