terça-feira, 10 de abril de 2012

10.04.2012
A MORTE DE FELIPE NERI DA SILVA

A grandeza de uma cidade se constrói, também, com a memória da vida e dos exemplos de seus cidadãos. Felipe Neri da Silva foi um destes valiosos contributos ao desenvolvimento de Juazeiro do Norte, homem nascido aqui em 30.04.1908, de egressas raízes romeiras alagoanas. Talvez, pouco lembrado diante de coisas que nos fazem fiéis aos modismos e ao exercício continuado de uma certa curta lembrança sobre fatos históricos. Raimundo Araújo e Mário Bem Filho, na obra Dados Biográficos dos Homenageados em Logradouros Públicos de Juazeiro do Norte, vol. 1 (Fortaleza: ABC Editora, vol., pp 248-249, 2000) já o perfilaram para indicar em síntese a trajetória deste homem. Eu o conheci tão pouco e dele guardei sempre tanta admiração, que o ato final, de uma despedida antecipada, motivada pelo trágico de sua morte me deixou por anos a comoção de um menino de 10 anos à porta de concorrido velório, depois de dias de espera para o pranteado zelo de seus restos morais no velho casarão da Rua Pe. Cícero. Partida antecipada, de certo, de quem se ligará eternamente aos marcos fundantes desta nova civilização do Taboleiro, ansiosa por um progresso que nos legasse legitimamente os caminhos do desenvolvimento e da plena satisfação de uma cidade que começava a se reerguer entre os anos 40 e 50, após ter experimentado a dura orfandade de sua liderança inconteste – Pe. Cícero Romão Baptista. Felipe era destes, dos primeiros a cerrar fileiras para que tivéssemos comércio dinâmico, associações de grande credibilidade, telefonia, eletrificação, vida social, serviços comunitários, transportes e, caprichosamente, aeroporto. Pois foi, exatamente à aproximação daquele outrora mais movimentado aeroporto do país que frustrou a todos nós, nos privando de uma maior convivência com este homem. Falamos da tragédia que foi sua morte em circunstâncias ainda pouco esclarecidas, não obstante o inquérito pertinente, conduzido pela Aeronáutica. A vida de Felipe Neri foi, basicamente, a de um empresário de comércio. No início de sua vida profissional era viajante pelo interior do país, até quando deixa os percursos itinerantes e se estabelece com a sua Casa Neri, em 1935, seis anos depois do seu casamento com a pernambucana Maria de Vasconcelos Neri, a dona Lili – a senhora, a grande dama, para quem pouco ainda era um simples cumprimento, seguido do gesto de abrir-lhe à passagem por uma calçada qualquer da cidade, como vi tantas vezes fazerem. Lili foi por toda a sua vida, a marca indelével deste conceito que tinha no patriarca Felipe um peso pesado de dignidade e respeito. No comércio, Felipe Neri não era empresário que se acomodasse à vidinha pacata da cidade que mal se levantava. Era irrequieto, inovador, apostou com muita determinação nesta vocação primeira de nosso centro e a ele agregou um estilo de negócios que fluía muito bem ao sucesso dos empreendimentos. Foi o primeiro a acreditar na realidade que se impunha, à sua época, com os combustíveis, mal o país criara a Petrobrás e abrisse o mercado às destilarias estrangeiras. Comerciante de relevo, era necessário viajar, ir aos centros produtores e conhecer de perto as novidades que o mercado demandava e receberia. Foi numa destas viagens ao Sul que sua vida entre nós se encerrou. Em 24 de junho de 1960, Felipe Neri da Silva estava em Belo Horizonte, a caminho do Rio de Janeiro. Dizem-nos os relatos de família que nesta ocasião ele encontrou um amigo, deputado federal, que desejava ir com urgência ao Rio de Janeiro. Felipe então, cedeu-lhe a marcação de seu bilhete e se transferiu para o vôo seguinte, o RL 435, da Real Aerovias, partindo do Aeroporto da Pampulha (PLU) para o Aeroporto Santos Dumont (SDU), no Rio de Janeiro, onde pousaria às 19:15h. A aeronave utilizada neste trecho era um Convair 340-62, prefixo PP-YRB, com número de registro 191 da Real (Vide ilustração, de outro idêntico). O equipamento fora fabricada em Junho de 1954 e entregue a Real 07.07.1954. A companhia, contudo, divulgou na época que a aeronave tinha apenas dois anos de uso, e que estava segurada no seu valor de mercado, cerca de 500 mil dólares. Segundo documento oficial, transcrevemos algumas notas copiadas do relatório do inquérito: “Às 17:22P o PP-YRB de 24.06.1960 decolou de Belo Horizonte para o Santos Dumont com 46 passageiros e 5 tripulantes. Desse total, 17 passageiros eram provenientes de Brasília e embarcaram em BH como conexão. O Comandante da aeronave era João Afonso Fabrício Belloc, coronel da FAB, na reserva, que fora na Itália o comandante da 1a. ELO (Esquadrilha de Ligação e Observação) (Vide ilustração). Reformado, era piloto de grande experiência (18.000 horas de vôo, também na aviação civil, desde 1947 na Real). Seu co-piloto era Orlando Gonzales Fernandes (29 anos, desde 1953 na companhia), o radio operador de vôo era João Batista Valadão (45 anos, desde 1951 na Real) e os comissários de bordo Antonio Jorge Santos Pombal (25 anos, na Real desde 1955) e Lúcia Maria Vieira Lima Jaguaribe (22 anos, recentemente admitida). 



Às 17:49P foi feito o contato com a posição Barbacena (MG); às 18:15P com o Pico do Couto (Petrópolis-RJ), às 18:25P sobre o rádio farol Q (Ilha dos Ferros) a 600m, e recebeu autorização do Controle de Aproximação para fazer o procedimento de descida e aproar ao rumo 036º. Na ocasião, chuva leve contínua, 3/8 de Stratus a 150m, 6/8 de Stratocumulus a 600m e 8/8 de Altostratus a 2.200m, temperatura 19º, ponto de orvalho 18º. São os dados técnicos do vôo, devidamente registrados. Após pedir autorização para pouso no Aeroporto Santos Dumont, o comandante informou que não havia teto e que deveria aguardar o momento certo para aterrissagem. Além disso, o Comandante havia reclamado de problemas na transmissão e recepção de mensagens. A essa altura o Convair estava sobrevoando a Ilha dos Ferros, próxima à Ilha de Paquetá. O avião desapareceu caindo no mar entre as Ilhas do Sol e Jurubaiba, um local de muitas pedras e raso. Numa das edições de um jornal carioca, se encontra um mapa indicando a situação geográfica das ilhas e o local do acidente do vôo RL 455 (Vide ilustração, Diário da Noite – 25.06.1960). O horário do acidente foi calculado por volta das 21 a 22 horas. Portanto, se estima que a aeronave, em busca de melhores condições de finalização teria sobrevoado a área por cerca de duas horas, coisa que não está bem esclarecida, em vista do registro do último contato. Após o bloqueio de Q o avião não mais se comunicou com o Controle ou a torre. O acidente aconteceu quando a aeronave efetuava o procedimento de descida e tinha informado o bloqueio do radio farol da Ilha dos Ferros. Quando o avião entrou no espaço aéreo carioca, o Aeroporto Santos Dumont, que estivera com as pistas de pouso fechadas por causa da neblina, acabara de voltar a funcionar. O avião colidiu em vôo com o mar, em rumo de aproximadamente 350º. O acidente foi notificado em vista da falta de comunicação e também porque um soldado da Aeronáutica que estava nas proximidades do local ouvira um barulho de avião caindo, mas quando foi procurar, nada encontrou. Apenas escuridão. Sem fogo, sem luz, o imenso veículo aéreo havia desaparecido nas águas tranqüilas da Guanabara, sem deixar rastro. A Marinha e a Aeronáutica, no início, mobilizaram forças para fazer buscas por todo o Estado, procurando destroços, inclusive e locais mais distantes como em Campos (litoral) e Itaperuna (Norte). Após o acidente foram iniciadas as buscas aos destroços que só começaram a ser achados por volta da 1 da madrugada. Um pouco mais tarde, o helicóptero do Serviço de Salvamento da Força Aérea Brasileira levantava vôo para buscar possíveis sobreviventes. Já alta hora da madrugada foram encontrados vários corpos mutilados nas proximidades da Ilha Redonda. Somente um corpo foi encontrado vestido e inteiro. Por volta das 2 da madrugada os barcos do Serviço de Busca e Salvamento retornavam com informações da não possibilidade de haver sobreviventes. No raiar do dia 25 de junho, após horas de buscas incessantes, dez dos 53 mortos foram encontrados por oficiais da Marinha (Vide ilustração, Jornal do Brasil, 25.06.1960).



Quando acontece uma tragédia como esta, o primeiro momento de quem escuta a notícia, se refere obrigatoriamente à lista de passageiros e tripulação vitimados. Certamente ela foi divulgada, mas desconhecemos. O fato é que pelo que havia acontecido com Felipe e relatamos antes, baseado em informações da família, seu nome nem constava na relação das vítimas. O segundo momento é a especulação ou a confirmação das causas do acidente. E, geralmente é demorado. Enquanto isto não é oficialmente revelado, corre pela imprensa uma série de hipóteses prováveis, mediante consulta a autoridades em aeronáutica e vôos comerciais, dentre pilotos e técnicos. No caso do Convair 340-62, prefixo PP-YRB, que aparece hoje no registro de acidentes aéreos no Brasil como “destruído”, diversos foram os motivos do acidente. Contudo, apesar de várias partes da aeronave terem sido recuperadas, não se soube a causa exata que provocou a queda no mar. Provavelmente o inquérito aponta numa direção, mas desconhecemos. Entretanto, baseado em levantamento de informações contidas hoje na internet podemos mencionar algumas indicações e constatações: 1. A fuselagem foi encontrada com portas trancadas e sem qualquer indício de fogo e houve quem mencionasse uma possível reversão acidental das hélices; 2. Uma referência ao último contato que o piloto fez com a torre de comando carioca, pelas 18h, informando que o avião estava ficando sem combustível. A assessoria da Real, no entanto, negou; 3. As condições de tempo podem ter influído, pois neste mesmo ano um outro acidente aéreo ocorrera no Rio de Janeiro com uma aeronave da mesma companhia. Em fevereiro, um avião comercial destroçou-se no ar ao colidir com uma aeronave, vinda de Buenos Aires, que transportava uma banda norte-americana, matando 66 pessoas sobre o Forte de São João, na Urca; 4. No dia 26 de junho, apareceu na capa de um jornal: “Só explosão de carga proibida explicaria a catástrofe do Convair”. E a notícia dizia: “Ontem foi confirmado que 48 pessoas morreram na catástrofe aérea com o PP-YRB da Real Aerovias na Baía de Guanabara. Uma violenta explosão dentro do compartimento da bagagem é até o presente momento a causa mais aceita para o desastre do aparelho da Real”; 5. Outra hipótese dizia que o avião teria se desintegrado no ar e mergulhado nas águas da Baia de Guanabara, quando da aproximação para o Santos Dumont; 6. Pilotos aventaram a hipótese de que houve um “disparo de hélice” que, provavelmente , tenha atingido a fuselagem. Sendo aeronave pressurizada , deve ter explodido; 7. Uma testemunha em Magé (RJ) disse que por volta das 22 horas um avião passara voando muito baixo e com os motores completamente paralisados. Um pouco depois um forte clarão foi visto vindo do mar; 8. E dentro das hipóteses usuais, não podia faltar uma suspeita muito comum: a de falha humana, por excesso de trabalho e cansaço. Com o decorrer das investigações, revelou-se, aparentemente sem contestação, que a tripulação da aeronave estava voando desde as 5 horas da manhã, daquele dia, fazendo escalas por cidades do Brasil. Portanto, pelo menos 16 horas de atividades interruptas; 9. Quando uma das rodas do trem de pouso foi encontrada, constatou-se que havia um tipo de argila vermelha aderida aos sulcos do pneu, que fez crescer a hipótese, dentre oficiais da Aeronáutica, de que a aeronave antes de mergulhar no mar havia tocado no solo do cimo de uma das ilhas da baia. De fato, o trem de pouso desgarrado da fuselagem poderia explicar o instante inicial da explosão que se verificara, e ouvida por testemunhas, mas que não redundaram em incêndio, porquanto o avião logo mergulhara nas águas; 10. Por último, há quem afirme que o “o escrito pelo comandante Carlos Ari César Germano da Silva, no seu livro "O Rastro da Bruxa – história da aviação brasileira através de seus acidentes: 1928-1996, 2ª. Ed., EdiPUCRS, 384p, 2008 (cap. O Mistério da Ilha dos Ferros, pp 190-193)", ainda é o mais próximo da realidade. Tem inclusive, um depoimento do Cabo Ramos, lotado no destacamento da Aeronáutica, na Ilha dos Ferros, que é muito interessante, bem como liquida de modo definitivo o boato que corria na época, referente ao desprendimento da porta traseira direita”. O relato que se encontra neste livro nos permite ainda registrar alguns aspectos. a) O número de vítimas foi realmente 54 (5 tripulantes e 49 passageiros), embora existam referências a 50 ou 53 mortos; b) a versão mais próxima da realidade, até posta no inquérito, embora não conclusiva, foi a de que, conforme assinala o autor do livro, “Talvez um grave defeito no sistema de controle do passo da hélice direita tenha levado as pás a ultrapassarem o ângulo limite de passo mínimo em vôo, fazendo com que a hélice girasse em alta velocidade, com rotação muito superior à permitida pelo projeto, gerando força centrífuga de magnitude tal que arrancou as pás do próprio eixo. Estas, atingindo com violência a fuselagem, destruíram a resistência estrutural do avião, causando-lhe a desintegração em pleno vôo”. A lista de passageiros demorou a ser divulgada. Ela só aparece na Nota Oficial da Companhia, estampada nos jornais do país, do dia 28 de junho, portanto, de três a quatro dias depois. Até o então presidente da república, Juscelino Kubitschek de Oliveira, teve de apelar para o comandante da aeronave da presidência da república, João Milton Prates – seu conterrâneo de Diamantina (MG) e para Armando Ribeiro Falcão, ao tempo em que era Secretário de Justiça do Estado da Guanabara, para que intercedessem de modo que ele conhecesse a lista. Nota Oficial da Real Aerovias: Em aditamento ao nosso comunicado de ontem, lamentamos informar que a nossa aeronave PP-YRB, efetuando vôo 435 foi localizada acidentada próximo à ilha dos Ferros, na baia da Guanabara, quando se preparava para pousar no aeroporto Santos Dumont, não havendo sobreviventes entre os passageiros e tripulantes. A última comunicação transmitida pelo avião minutos antes do acidente, nada revelava de anormal a bordo. As causas do acidente estão sendo apuradas pelas autoridades competentes do Ministério da Aeronáutica e pela companhia. A tripulação da aeronave era a seguinte: comandante João Afonso Fabrício Belloc; piloto Orlando Gonzalez Fernandez; comissário Antonio Jorge Santos Pombal; comissária Lúcia Maria Vieira Lima Jaguaribe. Viajavam a bordo da aeronave os seguintes passageiros: Ruben F. Novo, Bento Queiros Barros Junior, Luis Frota Sales, João Calíchio, Edgar Borges Lima, Adauto C. Aquino, Nei Gonçalves, Vitorino Ildefonso, Antonio Occo, Geraldo Pereira Vasconcelos, Hugo Mud, Maria L. M. Bahury, José M. Sousa, Enio B. Lemos, Antonio F. Cabral, Hermann M. da Silva, Eleatéria A. Sousa, Maria José A. Santos, Felipe Neri Silva, ten. Alex Gustasson, ten. Renato dos Santos Van Bockel, Geraldo de C. Rego, Artur A. Moura, Álvaro Brasil, Dr. Atos Alkimim, Fernando Lago, Sócrates M. Diniz, Dr. Nelson Freddy Saba, Max A. S. Sousa, Janete Slater, Igor Pokator, Luis Maurício S. Vanderlei, Lauro Candido S. Leite, Georg Pfeisteres, Edmundo Montalvão, Manuel Henrique Figueira, Argemiro Coutinho, Sergio Veres Henrique, Newton B. Tompson, Valter Moura, Carlos Nering Filho, Vasco de Sousa, Silvia Correia do Lago, Edna Christina (colo), Carmelinda A. Rosa, Antonio F. E. da Silva, Alberto C. Carvalho, mister H. W. Lee e Alceu Carvalho. 

A imprensa nacional deu ampla cobertura aos fatos determinantes da tragédia com mais um acidente aéreo e alguns dos seus dramas revelados pelas páginas dos jornais nos dias posteriores. Relevo alguns deles: 

1. Felipe Neri da Silva não viajaria no vôo sinistrado. Ele cedeu seu lugar ao deputado federal José Gomes Talarico, da bancada do PTB, do Estado da Guanabara. Paulistano nascido em 11.11.1915, jornalista e funcionário público, ele é uma pessoa dentre os que foram salvos da tragédia. Ele diria à imprensa, no dia seguinte ao acidente, que sua esposa, por telefone, comentou consigo que havia sonhado no dia anterior que ele se acidentaria em desastre aéreo. Insistia para que ele não viajasse naquele dia. Mas ele não alterou o plano e fez naquela aeronave o primeiro trecho, entre Brasília e Belo Horizonte, pois era o número 13, dentre os passageiros. Como na escala, por algum motivo, o avião ficou retido mais tempo, Talarico ficou procurou permutar o seu vôo por outro para o Rio de Janeiro. Ao que sabemos hoje, encontrou a compreensão do passageiro Felipe Neri da Silva que lhe cedeu a reserva do seu vôo e viajou no sinistrado RL 435. Talarico só veio a falecer, recentemente, no Rio de Janeiro, em 06.12.2010, aos 95 anos. Ele sofria de Alzheimer. 

2. O deputado federal Miguel Antonio Bahury, do PSD/MA perdeu sua esposa no acidente, pois dentre os falecidos estava a sra. Maria de Lurdes Menezes Bahury. Ele confessou para amigos e imprensa que teve um mau pressentimento quando ela lhe comunicou que estava antecipando a viagem, mudando de vôo, para chegar mais rápido em casa para se encontrar com os filhos e a família. Ele manifestou o desejo de que ela não fizesse isto, mas não a convenceu. Estranhamente, o deputado faleceria quase três anos depois, em 03.05.1963, num outro desastre aéreo, com o mesmo tipo de aeronave (Convair) que caiu na cidade de São Paulo, depois de decolagem de Congonhas. E mais intrigante: Miguel Bahury presidia na Câmara dos Deputados, uma CPI para apurar as causas de desastres aéreos que ultimamente aconteciam com grande freqüência. 

3. O ex-deputado federal Airton Mendonça Teles, do PSD/SE, e funcionário público no Ministério da Justiça em Brasília, uma das vítimas, foi outro que teve de trocar a data do seu retorno ao Rio de Janeiro na quinta feira anterior porque não havia mais disponibilidade de lugar no vôo de sua escolha. 

4. Edgar Borges Lima, 50 anos, funcionário do gabinete do Ministro do Trabalho, estava de mudança para a nova capital federal. Tinha ido a Brasília para receber o apartamento para o qual se mudaria. Sua esposa em forte crise emocional não mais aceitou ir morar lá com os seus sete filhos menores. 

5. Parte da família Correia do Lago, o casal Fernando e Sílvia (ele – Carlos Mayrink Fernando Correia do Lago), e a criança de dois anos e meio Ana Christina (não Edna, como diz a nota da Real) estavam entre as vítimas. Outro filho do casal, Marcelo, de 1 ano e meio, viajou na companhia da avó por trem e somente no Rio de Janeiro souberam dos acontecimentos. 

6. A presença da aeromoça Lúcia Maria Vieira Lima Jaguaribe na tripulação do sinistrado também foi uma coisa de última hora. Ela era uma das mais jovens no quadro de empregados da companhia e naquele dia estava substituindo uma colega de nome Maria do Carmo. 

7. Uma das vítimas do acidente da Ilha dos Ferros foi o arquiteto Nei Fontes Gonçalves. Apesar de jovem (26 anos), era visto como profissional de grande futuro. Foi um dos membros da equipe de um dos projetos que concorreram ao Concurso para o Plano Piloto da Nova Capital Federal, em 1957 e que logrou o segundo lugar, logo abaixo do escolhido, o do arquiteto Lúcio Costa. 

Tantos anos decorridos desta tragédia, eu me propus a tocar nesta ferida com a concordância da família. Nunca o faria se assim não fosse, pois antes de tudo é necessário preservar as suas conveniências. A imensa saudade que sempre se confessa pelo prematuro infausto é sinal sobejo deste respeito que cada um lhe deve tributar. Por isto, vão ainda algumas considerações finais à margem dos acontecimentos. Felipe Neri empreendeu sua última viagem a partir de Juazeiro do Norte, em avião da mesma companhia Real Aerovias que pousava no Aeroporto de Juazeiro do Norte. Desde 05.02.1959 a Real Aerovias vinha operando no Aeroporto de Juazeiro do Norte com aeronaves do tipo DC3 e C 46, para 40 passageiros, fazendo a rota Rio de Janeiro-Fortaleza, com muitas escalas pelo interior de Pernambuco, Bahia e Minas Gerais, principalmente. Tendo pousado em Belo Horizonte, Felipe seguiria para Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Nesta última permanência trataria com a empresa Taurus, da qual era revendendor autorizado de armas. Acontecido o fato, a família somente foi notificada no início da tarde do dia seguinte por um telefonema. Dona Lili estava repousando e, segundo o relato familiar, sonhou com um acidente envolvendo seu marido. Teria acordado em meio a esta angústia, para em seguida ser comunicada da morte de seu esposo. Entre este momento e a longa espera pelo corpo, tristeza, muita comoção, orações. A missa de sétimo dia pelo repouso de Felipe Neri da Silva foi rezada antes mesmo do sepultamento de seus restos mortais, em decorrência da longa demora no aguardo da identificação dos corpos e a remessa para a família. Este fato doloroso ocorreu em meio a uma grande expectativa por um fato que teria tido maior repercussão social, envolvendo a família de Lili e Felipe. Das suas filhas, Darcila estava noiva e com data de casamento já marcado. Efetivamente, se casariam Darcila e Raimundo Saraiva Coelho, em 30 de julho de 1960, pouco mais de um mês depois, em clima de sobriedade e grande resignação. Sabia-se em família que um dos objetivos da viagem de Felipe era adquirir objetos para o enxoval da sua filha. Quem hoje, como eu, procura conhecer maiores detalhes daqueles fatos que tanto impressionaram um garoto de pouco mais de 10 anos, sabe o quanto outros detalhes poderiam ainda ser acrescidos a este relato, no afã de proporcionar um melhor conhecimento de todas as suas circunstâncias. Não obstante ser esta uma tarefa de jornalismo investigativo, justificado também pelo não esclarecimento do caso, conforme foi explicitado, bem se vê que não se trata de angustiar o leitor e a família por uma certa “curiosidade mórbida” inerente ao enunciado de graves e perturbadoras questões imersas na angustia reinante até que, sobretudo o espírito cristão de consolação viesse em socorro para prover-lhes a necessária conformação aos desígnios do criador. Morreu tragicamente Felipe Neri da Silva em circunstâncias pouco esclarecidas. Mais que isto, sua família e a sociedade se viram privadas precocemente da existência da vida e do trabalho de um homem, bem adiante do seu tempo, audaz e intrépido, que só poderia ter a sua trajetória cerceada por força de uma tragédia, como houve. E foi assim, e em sinal de respeito a tudo mais, nada deve ser perguntado, porque se alguma coisa mais tivesse que ser acrescida, de que adiantaria se não mais o tivemos?



Foto 8: “Os rapazes da antiga República da Rua São Francisco, 302”. Da esq. para a dir., sentados: Vicente Teixeira de Macedo e Expedito Pereira. Em pé: Felipe Neri da Silva, Antonio Corrêa Celestino e Edmundo Morais. Juazeiro do Norte, 1938. (Foto de Lauro Cabral de Oliveira, do Arquivo de Ana Lusce Celestino de Moura, Fortaleza-CE) 

Foto 9: Festa no Havai, 30.07.1959, em comemoração aos 18 anos de Otília e 15 anos de Márcia, na residência da família de Maria Zuila e Silva Morais e Alberto Bezerra Morais, nas Malvas, organizada por Lisieux Boutique. Da esq. para a dir.: Lisieux, Ines Clébia, Marta Grangeiro, ?, (Irmã de Marta Grangeiro), Márcia Morais, Otília Morais, Zuila Morais, Lili Neri, Felipe Neri da Silva, Eliane Morais, Sílvia Morais e Ângela Morais (Arquivo Célia Moraes, Juazeiro do Norte-CE). Provavelmente, uma das últimas fotografias do casal, em público. 













Um comentário:

  1. Renato, parabéns pela excente matéria. Sr. Felipe Neri realmente foi um grande empreendedor da nossa cidade.
    Ele foi um dos maiores amigos do meu pai,( José Geraldo da Cruz) e lembro sempre dos elogios que ele fazia ao amigo, principalmente no que diz respeito, a amizade, solidariedade, respeito, lealdade. Quando escuto o nome do Sr. felipe Neri, lembro sempre desses valores.Zelinda Cruz Britto

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