sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

BOA TARDE (I)
Dou continuidade à publicação nesta página das pequenas crônicas que estão sendo lidas no Jornal da Tarde (FM Rádio Padre Cícero, 104,9 de Juazeiro do Norte) nos dias de segundas, quartas e sextas feiras, sob o título Boa Tarde para Você.
120: (16.02.2015) Boa Tarde para Você, Cícero Wagner de Almeida Pinheiro
Fazia bom tempo que não lhe via, meu amigo Ciço Wagner, e no nosso último encontro na Praça você foi direto, sem me dar chance de um abraço, quando me perguntou: O que fazer para salvar o nosso rio Salgadinho? Eu já pus no papel e divulguei as minhas mágoas ao ter visto em 50 anos de contemplação a gradativa degradação deste riozinho de minha aldeia que hoje se apresenta tão completamente descaracterizado, como se fosse parte da nossa rede de esgoto a céu aberto. Se não for uma visão muito simplista, estribada em longos 22 anos com a experiência gratificante de ter aprendido a respeitar o meio ambiente como gestor de uma estação de tratamento de efluentes, e respondendo a seu questionamento, eu enumeraria os seguintes propósitos: Primeiro: Você - Bagada, eu, o prefeito, o vereador, o juiz, o bispo, o delegado, o chefe de família, a dona da casa, o cidadão cumpridor de seus deveres civis e pagador de impostos, todos, enfim, temos de fazer um esforço para não continuar jogando nossas fezes no Salgadinho. Segundo: Não é possível conviver com os lançamentos não autorizados, a propósito de não querer pagar pelo serviço público, sob qualquer pretexto de valores de tarifas, pois afinal que diferença há neste nosso entendimento sobre luz, telefone, água e qualquer outro serviço público e comunitário? Terceiro: É precioso combater este espírito de porco que há onde menos se espera e que vem de espertezas de grandes impactantes como os equipamentos do próprio município, e instalações tais como as industriais, as comerciais e as de serviços. Quarto: Custe o que custar, o Salgadinho precisa de uma grande intervenção que implique na sua revitalização, sem dispensar a necessária canalização urbana, mesmo porque isto permitirá a ocupação de solos que hoje impedem a expansão urbana em certas direções. Quinto: Evidentemente não basta fazer qualquer coisa com o Salgadinho se a infraestrutura de saneamento da cidade não for agregada com um mais amplo serviço de drenagem e a melhoria urgente da Estação de Tratamento da CAGECE. Talvez isto não esgote tudo o que de bom ainda temos para fazer por este riacho, já que ele é parte desta mínima geografia de um município que vive dia-a-dia o agravamento de suas questões ambientais, acentuadas pelos parcos recursos hídricos. A crise da água, como no sudeste, tem mostrado a inadiável necessidade de tratar estes efluentes que emporcam os rios, para que, uma vez tratados, se destinem a reuso humano, controlado, para que não fique a impressão de que vamos novamente beber e tomar banho com esgoto. Foi o que vi outro dia, perplexo, pela voz autorizada de meu antigo mestre de recursos hídricos na USP, prof. Ivanildo Espanhol, a nos falar da necessidade de potabilizar as águas de reuso, lançadas em algum manancial, após o tratamento de bacias de estabilização, como as que temos aqui. Não seria nada estranho, Dr. Cícero Wagner, você que é engenheiro, compreender que necessitamos também constituir mais espelhos d´água em nosso município, como lagos e lagoas de modo a nos ajudar a suportar a agressividade destes efluentes e as perturbações climáticas que vivemos. Mas, não há dúvida, a solução correta para o rio Salgadinho também depende de como temos que enfrentar o que já vem desde o além de nossas fronteiras, de outras contribuições sobre as quais nenhuma ingerência, nem nós nem o nosso poder público tem. Por isso mesmo, ela é cara, é demorada, é complexa e jamais será ação da vontade de um só homem, por maior que seja o seu interesse, determinação e dedicação. Mas, não temos que nos animar ou nos conformar com algo que difira disto, pois o Salgadinho, desgraçada seja a sua situação, simplesmente não pode ser riscado do mapa, nesta pouca Geografia do município, como já nos advertia o Pe. Murilo de Sá Barreto, para que nos façamos alegres, com as muitas Histórias de nossas vidas que temos para contar. Isto tudo é urgente, urgentíssimo, pois esta é uma das coisas que necessitamos fazer por este nosso Juazeirinho, para não deixarmos nada para depois. Nem o futuro que a Deus pertence.
(Crônica lida durante o Jornal da Tarde, da FM Padre Cícero, Juazeiro do Norte, em 16.02.2015)

BOA TARDE (II)
121: (18.02.2015) Boa Tarde para Você, Elizabeth Ribeiro Tavares
Eu tenho sido advertido por diversos amigos e até pessoas que me reconhecem pelas ruas que estas crônicas devem lembrar, num tributo muito merecido, e em sinal de resgate da vida e da obra de muitas pessoas ilustradas, e principalmente de anônimos esquecidos, para relevar-lhes nos seus grandes exemplos. Por alguma razão que não se assemelha a nenhuma descriminação de que tenham sido lembradas algumas pessoas do meu afeto comum, eu me penitencio aqui que não tenha sido possível, em vida, saudar nestas crônicas o Francisco Silva (Foguinho), o Francisco de Assis Ferreira Lopes (o Escurinho), e por último, o José Tavares Noca. Ontem, Elizabeth, estivemos ao seu lado e junto de seus familiares durante a celebração da santa missa, no sétimo dia da ressureição de seu pai, José Tavares Noca, falecido aos oitenta e três anos, no último dia 11. Bem imagino como tem sido duro para vocês receber todo este apreço, numa procissão interminável que procura confortar-lhes diante desta ausência que não quer calar, num sentimento próprio do que Rachel de Queiroz já nos estimulávamos a crer: “Somos imortais, não somos imorríveis”. Por estes dias, uns falaram em boa prosa, outros, como Jevan Siqueira, lembraram em poesia, pois ao Zé por todos nós perdido era parte deste clima nostálgico de tantas memórias da ambiência destas velhas amizades, entrecortadas por sons de músicas inesquecíveis. Jevan, por exemplo, Elizabeth, escreveu: “Quando um livro perde a página / Perde o gosto e a poesia / É quando se perde um amigo / Completando sete dias / É um adeus que se deu / foi pra nós um grande adeus / A José e à boemia.” “Sete dias sem o amigo / Nosso Zé Tavares Noca / um amigo sem rasuras / que não era de fofoca / Essa viagem ele fez / Foi direto de uma vez / Sem pular nenhuma grota.” “Seus amigos ainda choram / Zé Tavares sua partida / Nos deixou órfãos e com dor / Que não vai ser esquecida / Se desse certo juntar / Seus amigos pra formar / Outro Zé pra nossa vida...” Nestas circunstâncias, costumo lembrar a carta de Paulo a Timóteo: “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda.” Por todos os motivos, Elizabeth, Zé Tavares foi um homem simples e ninguém deixou de nos dizer quanto foi bom e prestativo, alegre e solidário, sendo sempre uma presença desejada, alguém que nos trouxe um clima ameno na conversa e no relacionamento, e por isto vai fazer falta. Por paradoxal que nos posso parecer é esta falta que vai nos consolar, a certeza inevitável que ele nos legou uma perspectiva de busca, aquilo que não deve nos satisfazer apenas pelo necessário, senão pelo fundamental, o que alimenta a nossa luta em todos os momentos de nossas vidas. O Zé Tavares despediu-se de nós e o fez não porque viveu uma vida pequena, superficial e inútil, mas porque soube marca-la com um sinal de paz, com um serviço que foi ao próximo e por um legado que sua família enaltece. Estes fazem e farão falta, Elizabeth, pois não é sendo o famoso que se justifica nesta memória, nesta querência, neste afeto, é aquele que se reconhece pela obra que nos lega e que alegrou e confortou nossas dores e nossos momentos. Foi-se Zé Tavares para a eternidade dos nossos sonhos e em cada um de nós ficou a imagem de um homem bom, um companheiro agradável em todos os momentos mais simples da vida, alguém que não se fez banal, nem banalizou-se no caminho da vida que viveu.
(Crônica lida durante o Jornal da Tarde, da FM Padre Cícero, Juazeiro do Norte, em 18.02.2015)
BOA TARDE (III)
122: (20.02.2015) Boa Tarde para Você, Pe. Giuseppe Venturelli
Giuseppe Venturelli, este mesmo que seguimos apelidando de José, filho de Lucia e Giovanni Venturelli, nascido em 26 de agosto de 1944, em Sona, Itália, e ordenado padre em 26 de Março de 1972, em Verona, é este Salesiano que está conosco há uns 15 anos, se mal calculo. Seus amigos mais antigos na missão em Areia Branca, RN, desde os idos de agosto de 1978, falam ainda hoje com certo orgulho, do fato que este José, em demorados 16 anos de trabalhos como Diretor da obra e vigário, terminou se incorporando à história do lugar. Venturelli veio para o Nordeste, sendo um dos pioneiros da nova fronteira missionária que contemplava Areia Branca, Grossos, Tibau e Serra do Mel, construindo casas populares, escola especial, centros juvenis, centros de pastoral paroquial, oficina mecânica e outros marcos. Terminada esta fase importante da vida missionária, o Pe. José, como se referem os potiguares, a Inspetoria do Nordeste o removeu para novo e importante desafio, na direção deste Juazeiro, aqui tendo acumulado funções de responsabilidade em diversos segmentos da Ordem entre nós. Mas foi como administrador do Horto, propriedade secular no topo da Serra do Catolé, que Venturelli termina por legar o melhor do seu empenho, com a construção da ansiosamente aguardada Igreja do Bom Jesus do Horto, edifício proibido desde os idos de 1904. Mas, Pe. José Venturelli deverá ser reconhecido também como alguém que lutou e conseguiu restaurar a Estátua do Patriarca, o velho Casarão do Pe. Cícero, as Muralhas que protegeram o Juazeiro na Sedição de 1914 e a respectiva Casa da Pólvora, as melhorias do Acesso ao Santo Sepulcro e outras obras de arte do sítio histórico. Eu considero importante o seu esforço para melhorar o Museu da Casa do Pe. Cícero, um dos mais visitados museus deste pais, embora me mantenha como um crítico severo do estado em que os Salesianos insistem em deixa-lo à margem de investimentos, ao relevo que ocupa. Agora estamos sabendo que a Pia Sociedade de São Francisco de Sales, a ordem Salesiana, por sua Inspetoria do Nordeste está removendo o Pe. José Venturelli para novos encargos em destino, pelo menos a mim, não revelado. A verdade é que ao lado do nosso entendimento quanto difícil será substituí-lo, não há o que retocar naquilo em que tememos pelo futuro do Horto, como propriedade privada Salesiana, herança de um patrimônio da nação romeira, e sítio de uma das mais amplas responsabilidades sociais existentes entre nós. Para se fazer respeitado e para fazer respeitada a obra que representava, o Pe. José Venturelli feriu muitas sensibilidades, todas contrariadas entre iniciativa privada e poder público, pois foi grosseiro, deselegante, mal educado, truculento, e até pareceu desrespeitoso. Mas, justiça se faça, pois José Venturelli não foi o mal necessário à retomada do Horto como uma parte desta terra sagrada, autêntico refrigério sertanejo, senão o operário de uma grande obra, deste novo templo que consome sangue e suor nordestino, dos afilhados do Padre Cícero. Por isto, Pe. Venturelli, com as minhas desculpas, se assim lhe convenço na minha sinceridade, hoje eu posso lhe afirmar que lhe dedico o respeito necessário ao que você nos deixa, ao daqui sair para uma nova missão, reconhecendo o zelo, o empenho e a responsabilidade por tudo quanto realizou. Não é problema seu, se você nos deixa incertezas e temores que se acendem no alto da serra, se nos parece pouco crível que alguém esteja pronto para sucedê-lo, a ponto de manter a ordem, a paz, e aquele recanto quase paradisíaco, à margem da violência urbana. Desejamos felicidades à sua vida, a estes novos caminhos que a sua Ordem lhe impõe, porque ela sabe, como ninguém, muito mais que nós, quem a este tempo e aos seus caminhos foi o missionário temperado que se forjou na vida destes sertões. O Horto, e tudo o que se configurou no alto da colina, como parte desta Jerusalém terrestre, vai ficar sob as nossas vistas, vigilantes e apreensivas, e a nossa boa vontade para continuar fazendo por sua preservação, para que ela nunca deixe de ser aquela derradeira paragem da utopia sertaneja.
(Crônica lida durante o Jornal da Tarde, da FM Padre Cícero, Juazeiro do Norte, em 20.02.2015)