quarta-feira, 7 de janeiro de 2015



BOA TARDE
Dou continuidade à publicação nesta página das pequenas crônicas que estão sendo lidas no Jornal da Tarde (FM Rádio Padre Cícero, 104,9 de Juazeiro do Norte) nos dias de segundas, quartas e sextas feiras, sob o título Boa Tarde para Você.
105: (07.01.2015) Boa Tarde para Você, Francisco Demontier Cândido Tenório
Agradeço-lhe, mais uma vez, a sua generosidade frequente, com o envio das matérias publicadas no Miséria, como a de ontem, com a qual você relembrou aquele fatídico 6 de janeiro de 1950, o do assassinato de Mons. Joviniano da Costa Barreto. Gostaria de dizer-lhe, Demontier, que tenho muito gosto em ler estes seus textos, especialmente porque você é dos poucos jornalistas desta mais nova safra que tem um cuidado especial para com as lições do passado, indo sempre, como dizia um dos seus leitores, ao baú da história para dali retirar elementos importantes para suas matérias. É o caso deste capítulo horroroso que Juazeiro viveu naquela primeira sexta feira do ano, quando o fato aconteceu, pelos anos por mim inteirado com os comentários em família, e que me deixavam muito curioso para compreender a trama e suas circunstâncias. Há uns bons anos, Demontier, eu venho procurando, à luz de uma revisão de textos da imprensa e do panfletário, revisitar o contexto da época, para tentar compreender o pretexto do brutal assassinato, analisando as entrelinhas que guardaram opiniões e juízos que até perpetraram o tresloucado gesto do doente mental Manoel Pedro da Silva. Monsenhor Joviniano assistiu o nascimento de minha família, casando meus pais em 08.12.1948, na Igreja-Matriz de Nossa Senhora das Dores, onde ele também me batizou na manhã do dia 22.10.1949, 75 dias antes de morrer. Na minha adolescência, Demontier, a tradição oral era de exaltação ao mártir, vítima de um negro maluco que teve a sua pretensão contrariada, pois queria que Monsenhor fizesse o seu casamento com uma mulher casada. Frequentei escolas e agremiações que não faziam, senão, a elegia de seus grandes méritos de sacerdote cristão, à margem das grandes intrigas, decorrentes da sua determinação de combater o Pe. Cícero e o propalado fanatismo religioso da cidade. Tenho uma coleção de boletins apócrifos que pontuavam os conflitos de grupos com Mons. Joviniano, marcados por sua inequívoca perseguição, desde que assumiu a Paróquia de Juazeiro, com o objetivo de destruir o amor que os romeiros manifestavam ao Padre Cícero. Esses boletins, Demontier, são extremamente virulentos e a sua linguagem panfletária não escondia uma trama que elegeu Pe. Cícero, romeiros, Salesianos e Diocese, e que terminaria por armar o débil mental Manoel Pedro com uma peixeira para assassinar Monsenhor. Veja só este pequeno trecho, meu amigo: “O Padre Cícero deixou no seu lugar os Padres Salesianos. Os Padres Salesianos que tem vindo para cá, quando se tornaram queridos dos romeiros, por causa da sua humildade e grandes virtudes, e começaram a chamar a atenção dos romeiros para o Colégio. O Monsenhor Joviniano começa logo a fazer campanha para botá-los para fora do Juazeiro. Frei Damião está proibido pelo Monsenhor Joviniano, a nunca mais pisar aqui. Mas, sabem vocês, romeiros, porque é isso? É por causa do dinheiro!!! Os romeiros estavam se passando para os Salesianos, deixando a Matriz. As esmolas da caixa de Nossa Senhora das Dores que o Monsenhor todos os anos despesca, atingem a mais de quinhentos contos de reis e de agora em diante este dinheiro ia para a construção do Templo de Nossa Senhora Auxiliadora. Esse dinheiro atualmente está sendo desviado para o Bispado do Crato, para a construção de casas da Obra das Vocações Sacerdotais, naquela cidade. Isto reverte em prejuízo para o Juazeiro.” E vai por aí, meu amigo. Confesso a você, Demontier, que da revisão destes momentos, ainda fica para mim a sensação de que o cadáver de Mons. Joviniano, se revira no túmulo, a cada nova romaria que nos chega, exatamente ele que achava que isto não duraria 10 anos. E, desgraçadamente, 10 anos nem ele mesmo durou...
(Crônica lida durante o Jornal da Tarde, da FM Padre Cícero, Juazeiro do Norte, em 07.01.2015)

ADENDOS
Eu me sinto na obrigação de fazer duas considerações sobre qualquer repercussão com respeito a esta crônica que fiz para saudar Demontier Tenório. A primeira diz respeito a detalhar um sem número de fatos nos quais a pessoa de Mons. Joviniano da Costa Barreto esteve envolvida e que refletiam a sua intolerância com respeito a Juazeiro e suas questões políticas e religiosas. Isso não foi feito por falta de tempo de rádio. Mons. Formava ao lado de prefeito juiz e delegado. E frequentemente eram vistos e tratados como “Estado Maior” ou também chamada de “Corte Celeste”. Mas os tempos eram outros: vivia-se ditadura política, mando inquestionável de diocese e uma força policialesca acintosa. Essa conjuntura, por exemplo, bem próximo do assassinato de Monsenhor Joviniano também o fortaleceu para não abrir a pequena capela de São Miguel para receber o velório do beato José Lourenço Gomes da Silva. Muitos anos depois, uma pessoa insuspeita com relação a Mons. Joviniano, como o Pe. Azarias Sobreira Lobo me confidenciaria ainda com muita tristeza. “Foi um grave erro, um grave pecado. O que pensar de um irmão no sacerdócio que peca contra a caridade?” Ainda com relação a este assunto, eu já tive oportunidade de registrar nesta coluna os detalhes deste fato, exibindo algumas preciosas fotografias que mostravam como o velório do beato José Lourenço transcorreu com grande afluência, debaixo de chuva e com as portas da capela fechada por determinação do pároco Mons. Joviniano.
Outro fato que necessita complemento vem do fato de ter inserido a frase: “Na minha adolescência, Demontier, a tradição oral era de exaltação ao mártir, vítima de um negro maluco...” Tratei em assim referir como de fato se dizia na época, onde o preconceito racial era ainda muito mais flagrante que nos dias de hoje. Não há, da minha parte, nenhuma simpatia para que o tratamento hoje seja mantido. Procurei, tão somente, ser fiel ao sentimento da época, que está bem expressa nos jornais da época.