segunda-feira, 4 de maio de 2015

 BOA TARDE (I)
Dou continuidade à publicação nesta página das pequenas crônicas que estão sendo lidas no Jornal da Tarde (FM Rádio Padre Cícero, 104,9 de Juazeiro do Norte) nos dias de segundas, quartas e sextas feiras, sob o título Boa Tarde para Você.
149: (01.05.2015) Boa Tarde para Você, José Vasques Landim
Nos últimos dias eu tenho lido na página do Dr. Vasques Landim, no Facebook, expressões contundentes que nos dizem da sua revolta diante dos manifestos casuísmos do judiciário, tendo a frente a Suprema Corte, e que estranhamente, contribuem para perpetuar a corrupção em nosso pais.
Refere-se ele a esta interminável farra de decisões aparentemente bem concebidas e juridicamente bem suportadas que nos colocam perplexos diante destas decisões que nos mostram que em nosso pobre país a cadeia não foi feita para ricos e quanto mais dinheiro envolvido mais facilmente se põe essa raça desgraçada de contraventores em liberdade. Quem consultar seus textos, vai encontrar ali expressões fortes que indicam que os homens de bem desta nação estão chegando no limite de suas tolerâncias para não continuar passivamente assistindo a este desfile interminável de como partidos políticos continuam a sua ginástica irresponsável para se manter no poder. Essas agremiações, em associações com o banditismo, praticando uma roubalheira desenfreada e insaciável, terminaram por implantar o terror que tanto pareciam combater, montando uma poderosa máquina que tem destruído as bases sólidas das nossas maiores riquezas institucionais. Não há como não aplaudi-lo, deputado, quando nos diz que o país vive o seu pior momento nesses últimos 50 anos, diante do quadro negro da corrupção, da crise econômica, e da crise ética, onde instituições são desmoralizadas, e o Parlamento continua dirigido por indiciados em crimes, ao lado de um Executivo sob suspeita. Gostaria de dizer-lhe, deputado Vasques Landim, como somos solidários a esta sua angústia, e o quanto lamentamos ainda que sejamos este povo passivo, de sangue mais frio, absolutamente esperançoso e tolerante que acredita na ações isoladas de algumas e surpreendentes revelações de homens públicos para nos dizer que nem tudo está perdido. Recorro a uma destas suas palavras, Dr. Vasques, para reafirmar o que mencionei aqui noutro dia, e para fazer coro ao clamor de tantos quantos são os que reconhecem a crise ética e moral que se abate sobre nossos quadros políticos e na magistratura, desanimando o cidadão comum, eleitor e contribuinte, a quem cabe o custo maior de todos estes estragos que vivenciamos. Tem sido doloroso demais para todos nós, diante destas parcas prerrogativas que nos restam, interromper trabalho, sonhos e ambições, para aderir de fato a toda a sorte de manifestações que nos cabem para tentar dizer de modo definitivo o quanto estamos de saco cheio e que a nossa hora chegou para exemplar aquilo que nos impuseram como roubo e manobras desonestas. Agora, este clima de terror posto no caso da Petrobrás, como ponta de um enorme iceberg, e dizem alguns dos melhores observadores que ainda podemos ler e ouvir, militantes encontrados no que estas quadrilhas denominam de imprensa golpista, nos preparam para a derradeira pá de cal que se poderá sentir nas revelações no novo e tenebroso caso envolvendo o BNDES. Será que vamos ser capazes de resistir a tudo isto, Dr. Vasques? O que será sentir em nossas almas despedaçadas a anunciação das cifras do roubo continuado que ascende a escalada tétrica dos bilhões desta pobre moeda, a lista longa de criminosos, em cada caso como se fosse a fichinha do caso subsequente? Nesta quase orfandade como nos reconhecemos, completamente desprotegidos deste conforto que o pais reclama para continuar sendo o sonho que alimentamos para nossos filhos e netos, triste Dr. Vasques é reconhecer que chegaremos logo mais ao novo embate político para renovar os mandatários desta aldeia, sem nenhum horizonte que nos anime. Verdade é que quando as decepções locais se acentuam, porque tudo parece velha e podre farinha do mesmo saco, este nosso desânimo parece alimentar mais ainda a sanha indomável desta bandidagem que nos cerca para nos fazer presa fácil e reféns incautos de seus golpes. Ah, se isso fosse, Dr. Vasques, pelo menos o começo do fim anunciado para nos trazer de volta um sentimento mais leve de que ainda será possível acreditar em nossa representação política para que ela saiba e creia o quanto tão pouco estamos pedindo por nossa felicidade. 
(Crônica lida durante o Jornal da Tarde, da FM Padre Cícero, Juazeiro do Norte, em 01.05.2015)

BOA TARDE (II)
150: (04.05.2015) Boa Tarde para Você, Maria Ana Silva Barbosa 
Que imensa alegria para mim, no dia de hoje, nesse início de tarde ao cumprimenta-la, Zuzinha, neste exato dia que em que você celebra os seus oitenta anos de vida, protegida por todo este afeto de seus filhos, com os cuidados à distância dos sobrinhos que daqui se foram e do carinho da mana Maria Arruda. Quando lhe conheci, e isso já vai para uns cinquenta e dois anos, éramos vizinhos de poucos dias na Rua Santa Luzia, naquele quarteirão ainda tão tranquilo embora já fosse área de comércio buliçoso do centro e se contavam umas poucas famílias ali residentes como os seus, de Vicência e José Bernardo da Silva, os de Giuseppe Rota, os de Terezinha e Vicente Farias, os de Maria e José Catão, e os de Sebastiana Monteiro. Guardo gratas recordações da convivência fraterna com esta gente tão simples, tão amável, sempre tão disponível, que ainda tinha tempo para se reunir nas calçadas para falar dos seus lindos e dos seus graves momentos, para conversas bem estiradas em noites mais tranquilas e para se frequentar em datas festivas, especialmente nos momentos das orações na renovação do santo. Foi destes momentos desavexados que aprendi a admirá-los, sempre me deixando à vontade para ir participando desta intimidade que me levava a frequentar quase diariamente os ambientes da Folheteria Silva e a velha Tipografia São Francisco, conjunto que mereceu o batismo eterno de Patativa do Assaré, denominando-o de Lira Nordestina.
Foi a partir dali, pelo trabalho magnífico de seu pai, o poeta José Bernardo da Silva, e igualmente todo o apoio da família que se envolvia na produção, cada um dedicado, como o Lino que até fez xilogravuras, e que foi sucedido magistralmente pelo sobrinho Stênio Diniz, como a Maria de Jesus que era uma comerciante fina, de tradição bem herdada, e os demais, desde os pequenos que ajudavam a dobrar, encadernar e finalizar os folhetos. Muitos anos atrás, Zuzinha, quando vocês, os filhos de Zé Bernardo entenderam que era hora de passar adiante a Lira Nordestina, sua irmã, Maria de Jesus, me chamou e me disse que eu era o preferente para assumir a editora e seu acervo, comprando-a por preço facilitado e tão generoso. Mas, eu me acovardei, e me refugiei em tantas desculpas para hoje lhes dizer o quanto me arrependi, me reservando nestes anos para a defesa intransigente de um melhor futuro para a velha gráfica e seu acervo, protegendo os artistas que em torno dela continuam gravitando, e vez por outra recitando impropérios pela imprensa, dirigidos a prefeitos, gestores e reitores que não tem honrado este legado cultural de tantos méritos. Foi também dali que vimos sair tantos livros e tantos jornais desta cidade, principalmente como o Folha de Juazeiro, a mais longeva página da imprensa centenária desta cidade, o sexagésimo primeiro dos nossos periódicos, nascido em 17 de agosto de 1969, denominado “Órgão Independente a serviço da Região” e que ainda hoje existe em suas mãos e do Bernardo Neto. Este que é um dos mais duradouros jornais de Juazeiro do Norte, fundado por Francisco de Assis Sobreira Quintino, por seu marido, a inesquecível criatura de Jackson Pires Barbosa, por Abraão Bezerra Batista, resiste heroicamente, como herança desta tradição e parte do entusiasmo de vida de Jackson Barbosa. Queria também lembrar, agora que trato de homenageá-la nesta data, por sua missão de educadora, professorinha que se dedicou ao ensino fundamental de adolescentes desta cidade, junto ao velho e querido Grupo Escolar Padre Cícero, como me lembrava noutro dia, com tanto carinho, a nossa Cila Braz, que foi sua aluna, tantos anos passados e que não esqueceu a Zuzinha de Zé Bernardo. Passados estes anos, estou de volta, Zuzinha, trabalhando e transitando por esta cidade amada, reencontrando vocês alimentados e fortalecidos por todas as esperanças saídas daquele recanto amoroso de dona Vicência e de seu Zé Bernardo para continuar vivendo hoje a felicidade possível.
Desejo a você, Zuzinha, anos mais longos e muitos mais saudáveis para conservá-la na vivência querida de sua família, na estima tão grande de seus amigos, e na nossa reverência respeitosa, para exalta-la em tudo aquilo que vem sendo a sua existência de tantos e dignos exemplos. 
(Crônica lida durante o Jornal da Tarde, da FM Padre Cícero, Juazeiro do Norte, em 04.05.2015)

A XILOGRAVURA DE JUAZEIRO DO NORTE
Este é o mais novo livro do professor Gilmar de Carvalho, fruto de uma longa pesquisa que o autor realizou sobre a xilogravura de Juazeiro do Norte em quase quarenta anos de estudos. Em belíssima edição patrocinada, aliás, antes mesmo, premiada pelo IPHAN, o livro em suas 392 páginas contem extenso inventário e análises sobre o trabalho artístico dos gravadores, especialmente a partir do aparecimento da primeira gráfica de Juazeiro, que editada o jornal O Rebate. O autor revela que este último trabalho é o grande fecho de todo quanto realizou em prospecção à arte de dezenas de mestres da xilogravura juazeirense. Estamos todos de parabéns por este maravilhoso trabalho e cumprimentamos o prof. Gilmar de Carvalho por tanta dedicação em todos estes anos, sempre promovendo a divulgação dos nossos artistas.

INTERVENÇÃO NA SAÚDE
A decisão de uma auditoria excepcional na Secretaria de Saúde do município de Juazeiro do Norte está sendo objeto de questionamento através de periódico jurídico nacional. Assim, reproduzimos abaixo dois destes posicionamentos.

A (IR)RESPONSABILIDADE CONSTITUCIONAL QUE (NÃO) CONHECE LIMITES NO JUDICIÁRIO.(27.04.2015)
Por Lenio Luiz Streck e Martonio Mont'Alverne Barreto Lima
Recentemente tomamos conhecimento de algumas decisões de magistrados da justiça federal a chamarem nossa atenção por distintas razões. E opostas! A primeira delas vem da 2ª Vara Federal de Divinópolis, em Minas Gerais [clique aqui para ler]. Num feito a requerer determinado medicamento, o juiz Fabiano Verli, em 4 de fevereiro de 2015, não poderia ser mais objetivo (e mais feliz!): “Analisarei o caso com muita parcimônia, pois sou do Poder Judiciário e não faço política pública. Isto é do Poder Executivo e do Legislador”. Bingo! A antecipação de tutela não foi concedida num primeiro momento. A decisão em sua brevidade possui toda a consistência do respeito à Constituição e à vontade do povo que deverá arcar com as consequências de suas escolhas políticas, devendo atentar que o exercício do poder político conferido democraticamente pelas urnas é uma atribuição cotidiana de civismo a ser realizada pelo povo que elege seus representantes. Ao Poder Judiciário as atribuições, numa democracia, são outras e estão todas na Constituição da República. Entre tais atribuições não se encontra a de formulador de política pública. Não se pode infelizmente dizer o mesmo de decisão de 7 de abril de 2015 da Vara Federal de Juazeiro do Norte, no Ceará, de autoria do juiz Leonardo Augusto Nunes Coutinho [clique aqui para ler]. Em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal o magistrado decidiu pelo afastamento do Secretário Municipal de Saúde de Juazeiro do Norte, determinando “auditoria excepcional” para a Pasta, a cargo de docente, com vasto currículo de atuação docente em saúde pública. O juiz Leonardo Coutinho descreve o que seria verdadeiro descalabro na prestação do serviço de saúde pública daquele município, com suspeitas de corrupção, licitações dirigidas, e má prestação dos serviços de saúde. Noutro artigo, escrevemos sobre a falta que Paulo Brossard faz no Supremo Tribunal federal (clique aqui para ler). Agora, após sua morte, lamentamos novamente a falta que a leitura da obra de Brossard faz. Em seus votos sobre impeachment, dizia o jurista gaúcho — metaforicamente — que o presidente da República poderia vender a Nação, transformar a Presidência numa feira de negócio, trair os ideais do povo. Contra isso, nada poderia o Judiciário fazer. A atribuição é da política democrática. Não se está diante de um problema de juízes; porém de um desafio da democracia que se constrói todos os dias.
A atitude ativista (behaviorista) do juiz Leonardo Coutinho salta aos olhos. Atribuindo-se a tarefa de administrar um Ente da Federação, afasta ele o titular da Secretaria da Saúde, e sem o menor pudor, nomeia outro titular. Parece convicto de que fez o bem, de que só ele será capaz de realizar aos ignorantes munícipes — incapazes de escolhas políticas adequadas para a gerência de sua vita civita — a boa administração. Ou pelo menos está certo o juiz de que o virtuoso modelo federativo sairá de sua mente! O que fundamenta nossa divergência com tão profundos desrespeitos à Constituição e às leis praticados pelo juiz Leonardo Coutinho? Simples: o que ele mesmo diz, porém em sentido contrário: a inobservância, da parte da sentença do juiz, dos artigos 35 e 36 da Constituição. O artigo 35 não deixa qualquer dúvida: a União não pode intervir em município, a não ser que o município esteja em Território Federal, o que, claro, não é o caso.  Como pode uma autoridade de um dos Poderes da União Federal (o Judiciário Federal) nomear alguém para o exercício do cargo de secretário municipal de Saúde? Como não qualificar tal ato em esdrúxula intervenção federal em município? A tautologia da decisão é reveladora não somente do descompromisso do juiz Leonardo Coutinho com a Constituição: para ele, sua decisão não se caracteriza como intervenção em Município devido ao fato de se dar a mesma decisão no âmbito de uma ação civil pública. Em outras palavras: não é intervenção federal porque não é intervenção federal, e estamos resolvidos! Não surpreende que o juiz sequer tenha enfrentado o obstáculo ao seu entendimento baseado na qualidade do pacto federativo ou da separação de poderes que temos. Quer o juiz, ou qualquer de nós, goste ou não, a Federação brasileira será aquela que está na Constituição. Não cabe discussão sobre isso pelo prosaico aspecto de que nossos constituintes assim decidiram e vincularam todos os Poderes do Estado ao que está na Constituição, com a afirmativa: é daqui pra frente; não daqui para trás. Ou seja, a União jamais intervirá em município; o Estado deverá fazê-lo e tal processo está sujeito às exigências do artigo 36 da mesma Constituição. Simples assim. Neste processo não consta a competência da justiça federal para substituição de autoridade municipal decorrente de pedido judicial. Não concorda? Dirija-se à disputa democrática da política e convença-se o povo de que, noutra Constituição, o Juiz poderá desfazer o pacto federativo, poderá implementar política pública, poderá fazer o que lhe convier. Não com esta ordem constitucional; com outra. Se se detivesse alguns cuidadosos instantes nestes pontos, encontraria o juiz enormes dificuldades em sustentar sua tese de que ele pode ordenar a assunção do cargo de secretário municipal de Saúde. Por outro lado, se o juiz Fabiano Verli compreendeu perfeitamente a dimensão do significado da separação de poderes num sistema presidencialista, o juiz federal de Juazeiro do Norte sequer se deu ao trabalho de explicar as razões em seu entendimento que autorizariam o Poder Judiciário a executar política de saúde municipal. Não há uma linha sobre este assunto em sua decisão! Na condição de cláusulas pétreas de Nossa Constituição, o sério enfrentamento teórico sobre a natureza e os limites do pacto federativo e da separação de poderes, pela decisão judicial, não somente deveriam estar presente: seriam o fundamento da decisão a enfrentar tão importantes assuntos. Criticar a decisão enviesada aqui tratada não significa ignorar a gravidade do caso concreto ou deixá-lo sem solução, com o sofrimento da população de Juazeiro do Norte. É o próprio juiz Leonardo Coutinho quem aponta um sem número de inquéritos civis, além de outro inquérito criminal e de ação judicial para fazer funcionar hospital. O papel do magistrado é neste âmbito, qual seja: punir abusos e irregularidades, condenar criminosos, comunicar autoridades gestoras do Sistema Único de Saúde da existência de fatos comprovados e aplicar a lei. Mais longe não pode ele ir. Diante de um verdadeiro caos no sistema municipal de saúde,  o Poder Judiciário — estadual ou federal — poderia impor determinações cautelares, que se acham à disposição do processo civil para serem utilizadas e julgarem os feitos com prioridade. Em boa tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Carlos Marden Cabral Coutinho estudou o tempo kairológico sob o ponto de vista da duração dos processos judiciais. O trabalho acaba de ser publicado e recomendamos a leitura. O estudo calha para o caso que comentamos. Alguns processos necessitam de maturidade para serem decididos e seu tempo pode não corresponder ao que desejam suas partes, sendo importante a certeza da decisão. Noutros, as circunstâncias concretas, o Direito, a teoria etc. autorizam soluções mais rápidas e necessárias. Não falta arcabouço legal ou teórico que pudesse favorecer a ação do juiz federal de Juazeiro do Norte para agir no limite de sua constitucional competência. O que lhe faltou foi obedecer a Constituição e as leis. Parece-nos razoável imaginar que o município de Juazeiro do Norte, na defesa de suas prerrogativas, ajuizará remédios processuais para o restabelecimento da ordem constitucional.  E parece-nos mais acertado que o Tribunal Regional Federal da 5ª Região reveja esta decisão. Esperamos que o caso não pare por aqui. Ainda, numa palavra: O Conselho Nacional de Justiça, diante de tão grave ameaça à Constituição Federal e às leis, merece ser provocado e mostrar para toda a magistratura os limites de atuação dos juízes, que é o limite da Constituição da República.
(Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor e pós-Doutor em Direito. Martonio Mont'Alverne Barreto Lima é professor titular da Universidade de Fortaleza, Unifor), doutor em Direito pela Universidade de Frankfurt.)

JUIZ QUE FOI CRITICADO EM ARTIGO PUBLICADO NA CONJUR AGIU CERTO. (30.04.2015)
Por Antonio César Bochenek
A Associação dos Juízes Federais do Brasil — Ajufe — vem a público se manifestar e prestar esclarecimentos sobre o artigo intitulado "A (ir)responsabilidade constitucional que (não) conhece limites no Judiciário", assinado pelos professores Lenio Luiz Streck e Martonio Mont'Alverne Barreto Lima, publicado pela ConJur em 27 de abril de 2015, em que dirigem duras críticas à decisão proferida pelo juiz Federal Leonardo Augusto Nunes Coutinho, da Subseção Judiciária de Juazeiro do Norte, na ação 00117-31.2015.4.05.8102, em trâmite na 16ª Vara Federal do Ceará.
O cerne da crítica consistiria em ter o juiz determinado o afastamento do secretário municipal de Saúde de Juazeiro do Norte e nomeado um outro titular de sua livre escolha. Na visão dos articulistas, tal medida, produzida "sem o menor pudor", configuraria uma "exdrúxula intervenção federal" e violaria os princípios federativo e da separação de poderes, a demonstrar o "descompromisso do juiz Leonardo Coutinho com a Constituição". Ao final, sugerem que o Conselho Nacional de Justiça, órgão de supervisão administrativa do Poder Judiciário, seja provocado para "mostrar para toda a magistratura os limites de atuação dos juízes". A leitura da decisão, cujo inteiro teor pode ser acessado em "link" disponibilizado no corpo do artigo, revela uma realidade bem diferente: em nenhum momento o juiz determinou o afastamento do secretário municipal e, por óbvio, tampouco indicou outro titular em substituição. As ácidas palavras dos articulistas partem, portanto, de uma premissa totalmente falsa. Ao deferir apenas em parte os pedidos formulados pelo Ministério Público Federal, a decisão foi clara ao determinar a realização de uma auditoria excepcional na área da saúde do município de Juazeiro do Norte/CE, a cargo da Controladoria Geral da União (CGU), do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) e de uma profissional especialista na área de Administração em Sistemas de Saúde, designada para esse específico fim, a quem caberá, em 30 dias, colher informações, supervisionar os atos gerenciais e produzir relatórios. Repetindo: não houve afastamento do secretário municipal de Saúde, nem de qualquer outro agende público, nem mesmo nomeação de substitutos. Aliás, um dos comandos contidos na decisão — qual seja, a obrigação de o município de Juazeiro do Norte/CE, durante o período da auditoria, manter em pleno funcionamento os serviços de saúde — é destinado justamente ao atual secretário municipal de Saúde, que continuará como gestor responsável pela pasta. A crítica a decisões judiciais é um legítimo exercício de uma liberdade fundamental e fator crucial ao fortalecimento da democracia. Com efeito, a doutrina, ao escrutinar a forma e os argumentos dos atos decisórios dos juízes, apontando-lhes virtudes e falhas, méritos e inconsistências, cumpre papel de extrema relevância para o aperfeiçoamento do Poder Judiciário e do próprio Direito. Entretanto, ao acusarem um magistrado de violentar a Constituição e a lei, a partir de premissa falsa, os articulistas acabaram por promover desinformação aos seletos leitores da ConJur. A Ajufe manifesta apoio irrestrito e confiança no trabalho desenvolvido pelo juiz federal Leonardo Augusto Nunes Coutinho.
(Antonio César Bochenek é presidente da Ajufe. É juiz federal de Ponta Grossa (PR), ex-presidente da Associação Paranaense de Juízes Federais e diretor do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus). Mestre e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.