quinta-feira, 16 de agosto de 2012

XAVIER DE OLIVEIRA, REDESCOBERTO

Li com prazer e muita atenção o artigo “Transe Mediúnico e Norma Médica na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro da Primeira Metade do Século XX: O Olhar de Xavier de Oliveira, do prof. Artur Cesar Isaia, fruto de uma pesquisa que foi apoiada pelo CNPq com Bolsa de Produtividade em Pesquisa, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, entre 2007 e 2010, com o título de Espiritismo, discurso religioso e medicalização da loucura no Brasil da primeira metade do século XX. Ele tinha como principal objetivo estudar o discurso espírita brasileiro da primeira metade do século XX, evidenciando seu relacionamento com posições defendidas pela medicina psiquiátrica do período, como o primado do racional, a busca pela norma e a filiação a políticas de intervenção social. A equipe coordenada pelo prof. Isaia era constituída por alunos de Graduação (2), Mestrado acadêmico (2) e Doutorado (2). O autor é graduado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (com a dissertação, A imprensa liberal rio-grandense e o Regime Eleitoral do Império. - 1988). É doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (com a tese, O Cajado da Ordem. Catolicismo e Projeto Político no Rio Grande do Sul. D. João Becher e o Autoritarismo. - 1992). Desenvolveu estágio de pós-doutoramento na École de Hautes Études en Sciences Sociales em Paris (1999). Atualmente é professor da Universidade Federal de Santa Catarina. É um dos Coordenadores do Laboratório de Religiosidade e Cultura (LARC) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).Tem experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil República e Teoria e Filosofia da História, pesquisando principalmente os seguintes temas: discurso religioso, catolicismo, espiritismo, umbanda. A obra de cunho científico, médico, de Antonio Xavier de Oliveira é lida, resenhada e estudada através dos seus principais livros publicados: XAVIER DE OLIVEIRA, Antonio. O problema imigratório na América Latina: o sentido político-militar da colonização japonesa nos países do Novo Mundo. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco, 1942; XAVIER DE OLIVEIRA, Antonio. O magnicida Manço de Paiva. Aspecto clínico e médico-legal de sua psicopatia. Rio de Janeiro: Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 1928; XAVIER DE OLIVEIRA, Antonio. Beatos e Cangaceiros. História Real, observação pessoal e impressão psicológica de alguns dos mais célebres cangaceiros do nordeste. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1920; XAVIER DE OLIVEIRA, Antonio. Espiritismo e loucura. Rio de Janeiro: GEEM, 1930. Ao apresentar o texto inserto no fascículo 23, do volume 17, da Revista Esboços, de 2010, o autor assim resume o trabalho:
Este texto tem como tema de análise o olhar de um psiquiatra brasileiro, natural do Ceará, sobre o espiritismo e o transe mediúnico: Antônio Xavier de Oliveira (1892-1953). O espiritismo aparece em sua obra como “lócus” desencadeador da doença mental e os espíritas como irremediavelmente loucos ou doentes mentais em potencial. Xavier de Oliveira procurou estreitar as relações já tecidas pelo discurso médico-psiquiátrico entre espiritismo e loucura. Os pacientes que apresentavam alguma familiaridade com o transe mediúnico aparecem em sua obra desqualificados e carentes da norma médica.
O texto é relativamente longo, cerca de 20 páginas e nele destacamos dois segmentos nos quais ele apresenta o médico Xavier de Oliveira e faz as suas conclusões sobre o trabalho:
Um aluno de Henrique Roxo, o psiquiatra e escritor Antônio Xavier de Oliveira, a partir dos estudos do mestre, vai atender aos internos do Pavilhão de Observações da Assistência a Psicopatas (Instituto Teixeira Brandão). Seus registros entre os anos de 1917 e 1928 são sumamente importantes para esclarecermos os contornos do discurso médico psiquiátrico da época sobre os fenômenos espíritas. Se o olhar de Henrique Roxo sobre os internos que apresentavam familiaridade com o espiritismo era, em grande parte, estribado em uma formação positivista, Xavier de Oliveira pertencia a uma elite masculina católica extremamente comprometida em trazer o catolicismo para a esfera pública. Nascido em Juazeiro, no Ceará, em 1892 e falecido no Rio de Janeiro, em 1953, Xavier de Oliveira preocupou-se durante toda a sua vida com a questão da norma social e médica. É em nome dessa norma que vai dedicar-se ao estudo da imigração, mais precisamente dos “perigos” da imigração indiscriminada para o Brasil e América Latina, assunto desenvolvido em “O problema imigratório na América Latina”. É também em nome do elogio à norma social que vai debruçar-se sobre a personalidade do desempregado Manço de Paiva, assassino do senador gaúcho Pinheiro Machado, em “O magnicida Manço de Paiva”, ou sobre misticismo e cangaço no Nordeste brasileiro, estudados em “Beatos e Cangaceiros”. E é com esta preocupação básica, que Xavier de Oliveira vai escrever “Espiritismo e Loucura”, sintomaticamente dedicado à memória do intelectual católico Jackson de Figueiredo. Em suas páginas aparecem homens e mulheres, marcados com os estigmas sociais da anormalidade, pobres, negros ou mestiços, incultos, em íntima ligação com a criminalidade, muitas vezes. A referência ao discurso católico por Xavier de Oliveira, longe está de ser algo peculiar. Juliano Moreira, no Prefácio que escreveu para “Espiritismo e Loucura”, torna clara a defesa do papel civilizador do médico, do padre e do militar, no afã de reverter o que julgava ser o caráter atrasado e não civilizado do interior brasileiro: Sabeis que aos estudantes que, terminando o seu curso logo tentam alcançar um emprego público ou particular nesta ou em outras capitais, imediatamente aconselho que vão fazer no interior do país um estágio, útil às gentes de lá e a eles próprios. Refiro o que lucrei com a estadia de meses no sertão de minha terra, logo depois de formado e em combate a uma terrível epidemia de febres palustres de insólita intensidade. Cada médico novo levaria ao interior uma parcela de educação que, em convergência com as parcelas levadas pelo padre, pelo oficial do exército, pelos representantes da lei, completariam ou supririam a obra do mestre-escola. Mas tarde as aptidões profissionais será invariavelmente orientadas segundo os preceitos modernos da higiene mental e, então, cada uma de nossos jovens colegas fará seu tirocínio viando a maior eficácia da fase de estágio no interior do país.
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FINALIZANDO
Pensamos que os registros de Xavier de Oliveira ganham em historicidade, quando os articulamos aos fortes laços que o uniam à igreja católica. Para além do elogio à medicina psiquiátrica, os registros de Xavier de Oliveira trazem a marca do católico praticante, do homem que em “Beatos e Cangaceiros” afirmava a supremacia da igreja católica, capaz de superar o próprio estado na tarefa de educar e “civilizar” a população de um país, à época predominantemente rural. Xavier de Oliveira deixou-nos a marca visível do católico praticante, do aluno do Colégio São José da cidade do Crato e do médico que dedicou, “à inesquecível memória de Jackson de Figueiredo”, o seu “Espiritismo e Loucura”. O dogma católico que não admite oposição ao magistério da igreja era visto como o grande abrigo, um remanso capaz de salvar o homem da loucura, abrigando-o na certeza e na esperança. O dogma católico, ancorado no “crê em tudo e crê sem hesitar não deixa margem para as indagações e interpretações” que no “espiritismo são o caminho para a dúvida, a idéia fixa, a obsessão, a angústia a loucura.” Assim, o relato de Xavier de Oliveira, soa, ao mesmo tempo, como a reiteração do lugar institucional de onde fala (Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro) e como arma de combate da recristianização, projeto católico de retomada de sua influência na sociedade, vigente na primeira metade do século XX. O médico e o crente católico de feição tridentina combinam-se para afirmar a sua voz, sua vontade e seus valores sobre as débeis e desacreditadas figuras dos delirantes espiritopatas. Nas franjas dos registros clínicos de Manoel, Francisco, Maria da Conceição e Alfredo, buscando os raros indícios de humanidade que trazem é que, talvez, possamos capturar as práticas culturais do sensível, as apreensões da realidade desses homens e mulheres, a quem a “ciência redentora” e a certeza religiosa tentaram emudecer.

Qualquer contato com o autor do artigo pode ser feito através do e-mail: arturci@uol.com.br