sábado, 28 de março de 2015

BOA TARDE (I)
Dou continuidade à publicação nesta página das pequenas crônicas que estão sendo lidas no Jornal da Tarde (FM Rádio Padre Cícero, 104,9 de Juazeiro do Norte) nos dias de segundas, quartas e sextas feiras, sob o título Boa Tarde para Você.
134: (23.03.2015) Boa Tarde para Você, Francisco Mendes Filho
O papa Francisco continua nos surpreendendo com os seus discursos, simples e diretos, como no pronunciamento no último sábado em Scampia, um dos bairros da periferia de Nápoles, tradicionalmente vinculado à máfia local, a Camorra. Guardo de você, Mendes, também um discurso contundente e muito claro sobre este abominável sinal, permanentemente vistoso em nosso país nos últimos tempos, especialmente na atividade política de parlamentos municipais, estaduais e federais, com a anuência de nosso voto. E olha que o Bispo de Roma foi particularmente elegante, diria mesmo – quase ingênuo ao dizer que "a corrupção é suja", e que "uma sociedade corrupta é uma porcaria", e que aquele que permite a corrupção não é cristão e também "fede". E como sempre fala, urbi et orbe, Mendes, o papa não deixou de nos incentivar na “luta contra o mal e a ter o valor e a coragem de ir pelo caminho do bem e da justiça, de ir adiante limpando a própria alma, a alma da cidade e da sociedade para que não exista esse cheiro putrefato que tem a corrupção". E era o que cabia mesmo como uma luva, a esta santa e objetiva investida ao nosso esclarecido sentimento de revolta, por parte de alguém que está muito acima de qualquer suspeição, para nos permitir algo que vá da reflexão necessária ao gesto concreto de nossa intolerância. Ontem, em matéria preciosa, Mendes, o programa Fantástico nos mostrou uma pista mais que razoável a merecer a nossa crença, no exemplo do Japão, com respeito a este combate sistemático à desonestidade e à corrupção, a partir da educação de nossos próprios filhos. Mas, sintomaticamente, este câncer maligno está tão visceralmente impregnado no cotidiano de nossas vidas que por todos os títulos é lamentável que o homem público brasileiro seja o réu indiscutível de todos os desvios de recursos pretensamente aplicáveis na educação deste pais. Há quem calcule, Mendes, que o ralo desta indescritível roubalheira atinja quase 70% de todos os montantes de valores aplicados nas transferências governamentais do FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, e que não chega à sala de aula. Juazeiro do Norte, teve em 2014 um repasse global do FUNDEB da ordem de 90, 4 milhões de reais, e a previsão é de que receba neste ano corrente 4,5% mais, numa estimativa do próprio governo fixada em 94,5 milhões. 
Atentar contra isto, e é assim que penso Mendes, é declarar a manifesta intenção de sequer estarmos interessados em honrar o necessário incremento de alunos em sala de aula, para permitir-lhes vida livre pelas ruas da cidade, na marginalidade, na violência, no crime e nas drogas. Tristemente, no nosso caso municipal, há gente sem escrúpulos que não hesitou em fazê-lo e a cometer isto que pelo menos para mim, como educador, não pode haver crime mais hediondo que esta atitude irresponsável de gestores que pratica toda sorte de desvios. Considero particularmente importante, Mendes, o que a Rede Globo deflagrou ontem, no dia mundial da água, na campanha Menos é Mais, para discutir, de forma ampla, como podemos gerar sustentabilidade para garantir para as próximas gerações as condições que temos hoje. Trata-se de falar de tudo que nos angustia, e não apenas do drama da crise atual da falta de água, aquilo que mais facilmente se vê e que sai pelo ralo do esgoto, mas tudo mais que nos falta por uma conduta defeituosa e que atenta contra a sociedade, ética e moralmente. Eu e você, Mendes, o Zé do Mercado, a Maria da Escola, o Chico da Praça, o vereador Tarso, o prefeito Raimundão, o governador Camilo, a presidente Dilma, enfim, todos, não temos outra chance, outra opção, senão estarmos do lado desta cruzada para merecermos a vida digna pela qual lutamos sem parar. Quando um dia o futuro nos cobrar sobre o que fizemos por esta dignidade, que não nos lembrem, como o poeta Francisco Otaviano: “Quem passou pela vida em branca nuvem. E em plácido repouso adormeceu. Quem nunca sentiu o frio da desgraça. Quem passou pela vida e não sofreu. Foi espectro de homem, não foi homem. Só passou pela vida, não viveu.”
(Crônica lida durante o Jornal da Tarde, da FM Padre Cícero, Juazeiro do Norte, em 23.03.2015)

 BOA TARDE (II)

135: (25.03.2015) Boa Tarde para Você, Sávio Leite Pereira
Vez por outra, felizmente, eu tenho a sensibilidade de manifestar zelo e gratidão pelo que tem sido esta construção generosa, extensa e muito valiosa, de muitas pessoas que contribuem para uma melhor história de minha terra. Isto tem acontecido, não somente pelas edições livrescas, mas por novas mídias eletrônicas que vão acumulando muitas páginas, em face da dinâmica destes recursos, o modo mais prático e barato de como podem ser dispostas e a forma democrática que se estabelece no acesso e na interatividade. Por isso mesmo, Dr. Sávio Pereira, cabe-lhe da nossa parte, embora com algum atraso, um agradecimento e um louvor à sua dedicação em vir participando conosco no blog do Portal de Juazeiro, tratando de questões da nossa história mais contemporânea. Quem se dispuser, acessando aquele endereço, vai se deliciar com prazerosos relatos, bem ilustrados com significativas imagens fotográficas de seu arquivo, desde aqueles com respeito ao Juazeiro dos anos 50, até estes últimos escritos, sob o título frequente de confidências políticas. Revendo estas matérias, constato que este arquivo já vai corporificando uma obra memorialística e, seguramente, não deixará de partir de todos nós que as lemos, gratificados, um incentivo para que você não perca a oportunidade de mandar imprimi-las em requintado volume gráfico. Aproveito também esta oportunidade, meu caro Sávio, para agradecer-lhe a gentileza de ter remetido em dias passados o arquivo eletrônico de um livro organizado pelo cineasta e produtor Marcello Laffite, com o apoio da Caixa Econômica, com bela e merecidíssima homenagem ao nosso José Wilker. Trata-se do título José Wilker: 50 anos de Cinema, um dos marcos da vida deste juazeirense tão ilustrado, José Wilker de Almeida, nascido entre nós em 20 de agosto de 1944, e falecido no Rio de Janeiro em 5 de abril de 2014, depois de ter sido festejado em vida como um dos mais importantes personagens do cinema, do teatro e da televisão deste país. Na verdade, o livro é o catálogo de uma Mostra de exposição restrita a público carioca, com curadoria do próprio Marcelo Laffitte, que busca celebrar a carreira do ator de cinema e TV através de uma seleção criteriosa de suas principais participações cinematográficas. A retrospectiva presta uma homenagem sincera a um dos maiores atores brasileiros e com isto a Caixa reafirma sua política cultural de estimular a discussão e a disseminação de ideias, promover a pluralidade de pensamento, mantendo viva sua vocação de democratizar o acesso à produção artística. Destaco particularmente a sua felicidade, Sávio, em abrir o volume com seu primeiro texto, delicioso, contando memórias de adolescência, histórias dos tempos iniciais da sua relação pessoal com Wilker, no Ginásio Salesiano e na vida cotidiana deste Juazeiro dos anos 50. Aliás, todo o volume, incluindo a revisão mais aprofundada da obra cinematográfica de Wilker é um extenso relicário de afetos, manifestados com grande sensibilidade em depoimentos de amigos, como Moema Cavalcanti, Marcos Flaksman, Joaquim Ferreira do Santos, Orlando Senna, Braz Chediak, Zé Celso Martinez Correa, Ney Latorraca, Aderbal Freire-Fillho, Hildegard Angel, Daniel Filho, Luiz Carlos Barreto, Cacá Diegues, Zezé Motta, Lauro Escorel, Betty Faria, Lucélia Santos, Paulo Betti, Denise Saraceni, Maitê Proença, Sergio Rezende, Francisco Ramalho Jr, Lidia Franco, Claudio Rangel, Vera Holtz, Aracy Balabanian, Mariza Leão, Rodrigo Fonseca, Andréa Beltrão, Beto Brant, Lourdes Hernandez, Walter Carvalho, e Marçal Aquino. Lamento que este livro, tão maravilhosamente concebido e tão rico pelo painel que montou para contar toda a vida e a obra de Wilker tenha a circulação limitada aos espaços da Mostra. Não posso deixar de dizer-lhe, Sávio, que como você, imagino, estimo e desejo ardentemente que a Caixa Econômica Federal seja sensível a uma possível montagem desta mostra no Cariri, para os olhos, corações e mentes de nossa gente, tão plena de ardorosos admiradores do Wilker. Não seria pedir de mais para que não percamos a oportunidade de revê-lo, vivo e autêntico, magistral e grandioso, na arte que o consagrou para a eternidade de nossa memória.
(Crônica lida durante o Jornal da Tarde, da FM Padre Cícero, Juazeiro do Norte, em 25.03.2015)

BOA TARDE (III)
136: (27.03.2015) Boa Tarde para Você, Pe. Antenor de Andrade Silva
Em 1963, aluno do Ginásio Salesiano São João Bosco, eu fiz alguma coisa reprovável no comportamento em sala de aula, fato que gerou do professor de português a aplicação de um castigo para aprender a recitar uma das mais lindas poesias do poeta Casimiro de Abreu. Era o poema Meus Oito Anos, do poeta que se finou tão novo e deixou esta beleza de versos inesquecíveis: “Oh! que saudades que tenho / Da aurora da minha vida, / Da minha infância querida / Que os anos não trazem mais! Tantos anos afastado deste velho casarão de minha juventude, muitas vezes eu pensei neste fato, nestes versos e tudo mais que a vida me reservou daí por diante, sempre lembrando que o ginásio e estes versos eu cantei e cantarei para lembrar a minha própria existência. Logo mais, às 18:30 devo viver mais uma vez, um destes instantes de reencontro com estas saudades, para também saudá-lo, Padre Antenor, durante o lançamento de seu mais novo livro, Pe. Cícero: O Calvário de um profeta dos Sertões. Se não me distrai pelo caminho, este é o seu quinto livro, precedido pelos anteriores: Os Arquivos do Padre Cícero, de 1977, Cartas do Padre Cícero, de 1982, Padre Cícero - mais documentos para a sua história, de 1989, e Padre Cícero - sacerdote, médico e conselheiro, de 1992. Agora você nos trás este mais novo que se afirma por um mais amplo painel de releitura sobre o Pe. Cícero, feito com a propriedade de quem mergulhou profundamente no amplo documentário e na bibliografia que se construiu em mais de um século de estudos. Se duas ou três coisas se pode dizer de sua pessoa, padre Antenor, uma é fazer coro com a expressão de Núbia Ferreira que lhe reconhece no meio intelectual “como um dos importantes colaboradores da historiografia sobre instituições religiosas e educacionais, especialmente, com as suas publicações sobre o Padre Cícero e o Juazeiro do Norte.” Dirigindo este Colégio Salesiano em meados dos anos 70, quero crer que você foi tocado pela necessidade de explorar aquele rico acervo documental que até então somente servira a Ralph della Cava, para nele mergulhar de forma quase definitiva a ponto de ensejar a sua reabertura à pesquisa que tanto tem contribuído para a biografia sincera de nosso Patriarca. O seu livro trás algumas das questões inquietantes para todos aqueles que desejam aprofundar o conhecimento desta realidade de Padre Cícero e Juazeiro do Norte, especialmente através de indagações que se tornaram permanentes em nossas especulações. Vejamos algumas das que você aponta: Qual seria a fisionomia religiosa do Cariri e do Nordeste do Brasil sem a presença de Cícero Romão Batista no Juazeiro do Norte?  Como seria a situação social, política e econômica do Juazeiro sem a influência do padre? A história do Pe. Cícero seria diferente, se os Bispos de Fortaleza e Crato tivessem sido mais abertos, mais sensíveis a um dialogo vis a vis, presencial com o acusado? Que teria acontecido em termos religiosos, se o sacerdote tivesse se insurgido diretamente contra as normas de Fortaleza e Crato? O padre deveria ter esperado mais, ter consultado seu bispo e aguardado o parecer dele, antes de acreditar no episódio de Maria de Araújo como miraculoso? O fato de as duas Comissões de Inquérito terem conclusões diferentes não é sintomático? Alguma trama, algum cambalacho? Que aspectos do comportamento do Pe. Cícero nos parecem hoje, mais significativos? Sem Maria de Araújo e José Marrocos teria acontecido o “Milagre” do Juazeiro? Por que havia interessados em denegrir, a figura do Pe. Cícero? Concordo inteiramente consigo, pois “A história, queiram ou não, continuará se ocupando com as figuras polêmicas e queridas do pastor dos sertões e da beata Maria do Juazeiro. Um dia a verdade será totalmente esclarecida.” Desejo especialmente louvar e fazer-lhe um agradecimento particular pela missão que empreendeu, pois suas luzes e seu trabalho diligente marcaram toda uma geração de gente acadêmica que foi capaz de por novos olhares e novos sentimentos na riqueza dos personagens e dos fatos de Joaseiro. E não há dúvida alguma, Pe. Antenor, que esta mesma cidade que mereceu o grande entusiasmo dos seus verdes anos, ainda continuará a tributar-lhe o merecido reconhecimento a quem tão generosamente a isto se entregou e que se renova a cada novo livro que nos trás.
(Crônica lida durante o Jornal da Tarde, da FM Padre Cícero, Juazeiro do Norte, em 27.03.2015)


PADRE CICERO: NOVOS LIVROS
Na quinta feira, 26 e na sexta feira, 27, foram lançados três livros sobre Padre Cícero Romão Baptista.  Em Fortaleza, dia 26, na Livraria Cultura (Aldeota), foi lançada a obra Padre Cicero: Mitificação e desmitificação, de Fátima Oliveira Malahosky (Editora Prismas, SP, 169 páginas). O livro derivado desse belo trabalho apresentado com mérito e louvor, se intitula com muita adequação “Padre Cícero: Mitificação e Desmitificação”.  Ele é constituído de uma introdução, três capítulos e uma conclusão norteados por um aparato teórico bem definido e destinado a apontar as contradições da figura do pároco da cidade cearense Juazeiro do Norte, Cícero Romão Batista. Com esse roteiro, prima pela riqueza da literatura secundária, ou seja, do acerco crítico que descreve a vida e os eventos em torno do sacerdote, seja julgado inadequado por uns, ou ovacionado por outros, em todo caso, por aqueles que se dão o direito ou se arvoram do poder de julgar. A linguagem prima pela correção, é condizente com o conteúdo apresentado e proporciona uma leitura fluente, que torna agradabilíssima a assimilação do seu conteúdo mágico. O corpo temático envolve, fascina pela dose de exotismo, extraída dos eventos pretensamente míticos ou sobrenaturais, aqueles em torno da beata Maria de Araújo e o fenômeno hierofania do milagre da hóstia, isto é, pelos rasgos de um realismo maravilhoso, que tangencia o gênero fantástico. Sua autora é escritora, professora, fundadora da revista de informação cultural Café das Artes e mestre pelo programa de Pós-Graduação em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.
Em São Paulo, dia 27, na Martins Fontes (Av. Paulista), foi apresentado o livro Os Sons do Adeus - Da Origem aos últimos Dias de Padre Cícero, de Gouveia de Hélias (pseudônimo de Expedito Alves Gouveia) (Editora Pasavento, 264 páginas). O livro foi fruto de uma paixão que o acometeu ao recolher da tradição oral informações interessantes, a maioria delas dentro de sua própria família, sobre a vida do sacerdote e sobre os grandes eventos acontecidos no Vale do Cariri. Esses subsídios da tradição oral juntados à pesquisa de campo o habilitaram a escrever sobre Padre Cícero, dando, porém, ênfase e primazia aos sertanejos daquelas eras e à poesia que nascia agreste de suas manifestações religiosas apaixonadas. Gouveia de Hélias nasceu em Redenção, cidade serrana do Estado do Ceará, estudou, na década de 1960, no Seminário Arquidiocesano de Fortaleza – Seminário da Prainha – instituição por onde passaram figuras polêmicas de nossa história contemporânea como Padre Cícero Romão Batista e D. Helder Câmara.  Gouveia de Hélias deixou o Seminário e mudou-se para o sul do país onde cursou Filosofia na Universidade de São Paulo. Em 2010, na XXI Bienal Internacional do Livro de São Paulo, lançou seu primeiro trabalho, o “Dias Sem Compaixão”, um livro onde contava histórias do mundo do cangaceirismo.
Em Juazeiro do Norte, também no dia 27, no Colégio Salesiano, foi lançado o livro Padre Cícero: O Calvário de um profeta dos sertões (Maqisa, 209 páginas).  O livro se inicia com o momento em que Padre Cícero se instalou na cidade, em 1872, em pleno regime Monárquico- republicano; desta forma, passa a falar sobre a Sociedade brasileira, para contextualizar as atividades religiosas, sociais e políticas do Capelão do Juazeiro, sem esquecer da questionada relação entre o Estado e a Igreja. Na segunda parte do texto encontra-se outro aspecto controvertido desta história. Utilizando as cartas do Padre Cícero faz importantes revelações sobre os dois Inquéritos que deram inicio a “uma saga plena de torturas morais e psicológicas, motivadas por correspondências entre Juazeiro, Fortaleza, Crato, Roma e outras cidades do Nordeste e Sul do pais”. Trata-se do momento em que o padre Cícero, mesmo fazendo de forma brilhante a sua defesa, não conseguiu evitar que fosse cassada sua atividade apostólica, o que o impedia de realizar, adequadamente o trabalho espiritual junto ao seu povo. Seu autor, Padre Antenor de Andrade Silva é um historiador engajado, nascido em Tabaiana, PB, graduado em Filosofia, Letras, Administração Escolar, História e Teologia. Estudou nos Seminários de Recife, Lorena (SP) e Pio XI (SP). Escreveu oito obras publicadas e algumas inéditas. Fez alguns cursos em Buenos Aires, Roma, Palestina e Inglaterra. Foi diretor do Colégio Salesiano em Juazeiro do Norte no período 1974-1976.

JUAZEIRO: LANÇAMENTO DE LIVRO
Participei na noite da sexta feira passada do lançamento do livro Padre Cícero: O Calvário de um Profeta dos Sertões (Maqisa, Recife, 209 páginas), de autoria do Pe. Antenor de Andrade Silva. Transcrevo abaixo o discurso de apresentação da obra.
Caríssimo Padre Antenor de Andrade Silva, Estimada comunidade salesiana, Meus senhores e minhas senhoras: Entre 1961 e 1964, tempo em que cursei o antigo ginásio na minha formação básica neste então Ginásio Salesiano São João Bosco, por diversas ocasiões, eu e outros colegas subíamos ao pavimento superior deste edifício, pois aí havia uma biblioteca, um auditório, e a residência dos padres. Em algumas destas oportunidades, chamava-nos a atenção um pequeno quarto, uma espécie de depósito que guardava alimentos, diversos materiais e muitos papeis velhos.

Em 1963, pelo então diretor, Pe. Gino Moratelli, numa manhã ensolarada, durante o seu bom dia costumeiro, nós fomos apresentados ao prof. Ralph Della Cava que estava na cidade para realizar a sua tese de doutoramento na Columbia University, em New York, e por algum tempo seria frequentador assíduo daquele aparente e insignificante ambiente, espremido entre apartamentos e a biblioteca.
Foi nesta ocasião que soubemos que ali se guardava parte importante da herança do Padre Cícero Romão Baptista, aquilo que tocara à Congregação Salesiana na partilha dos bens do Patriarca, e se configurava como o seu arquivo pessoal, e que com bastante surpresa para todos nós, começaria a ser revelado em novembro de 1970, quando do lançamento da edição americana de Miracle at Joaseiro.
Em 1975 a obra de Della Cava mereceu tradução e edição em português e assim passamos a saber com maior riqueza de detalhes o que aquele quartinho continha e de cuja riqueza jamais nenhum de nós suspeitou.
Mas, e também não sabíamos, Della Cava deixou, como fruto de seu diligente trabalho, uma organização de todo o documentário por ele utilizado em seus estudos, em dezenas de pastas, e assuntos sistematizados de acordo com os seus critérios de historiador e frente ao seu projeto de doutoramento.
No começo dos anos 70, já estava conosco o Pe. Antenor de Andrade Silva, dirigindo esta casa e vivamente interessado num melhor domínio sobre este documentário, cujo conhecimento ainda não chegava, senão a uns poucos privilegiados da convivência com o historiador americano.
Parte deste entusiasmo foi sua iniciativa de reproduzir expressiva porção daquele documentário, tendo para isto empreendido uma viagem e permanência em Brasília para fotocopiar (e era esta a tecnologia mais disponível para o propósito) em uma dezena de cópias que ele generosamente distribuiu entre instituições e pesquisadores, tendo eu mesmo sido um dos distinguidos.
Isso, felizmente, Pe. Antenor, foi o início, a disseminação de um vírus potentíssimo, se assim posso comparar, que nos motivou e nos pôs a caminho para tentar realizar uma das mais emocionadas jornadas de resgate histórico que se tem notícia em torno de um personagem histórico neste pais. 
Devemos lembrar que, com o tempo, mais de uma centena de pessoas e instituições terminaram por se envolver naquilo que sua iniciativa disparara, e que resultou em projetos de pesquisa, organização de acervos, artigos técnicos e científicos, e também de divulgação, elaboração de monografias, dissertações, teses, muitos livros, além da criação de instituições, com o foi o caso do Instituto José Marrocos de Pesquisas e Estudos Sociais, sem falar dos eventos marcantes de fóruns, simpósios, mesas redondas, palestras, conferências, e a formação continuada de muitos jovens pesquisadores.
Com imenso atraso, mais de 40 anos, é esta a oportunidade de lhe confessar e publicamente, um agradecimento pessoal, de grande valia para a relação de minhas dívidas contraídas ao longo da vida, particularmente referentes a esta mania de pretensamente ter me consagrado pesquisador das coisas do Juazeiro que de alguma forma nasce por sua deferência em me fazer participante desta partilha que você empreendeu e que num primeiro momento também contemplava a professora Luitgarde Oliveira Cavalcante Barros, então estudante de Mestrado na PUC-São Paulo, e que seria vitoriosa com o extraordinário livro A Terra da Mãe de Deus.
Lembro, especialmente, quando daqui de Juazeiro saímos com um imenso volume de documentos para reproduzir em Fortaleza, algo inusitado que dois meninos, tão jovens e inexperientes ganhavam a confiança do então diretor, para retirar daqui acervo tão precioso, sem a exigência mínima de um inventário, tal era a confiança depositada.
Você mesmo, Pe. Antenor, não ficou à margem disto, apenas como o gestor que era, o organizador de algo a se entender como de grande utilidade, como se fosse um daqueles surtos que nos ocorrem na vida, especialmente na juventude, e para os quais concorremos com toda a emoção, a paixão desenfreada que nos promove diante dos horizontes insuspeitos, na pesquisa e no conhecimento.  
Hoje estamos aqui para receber mais um dos seus livros, este quinto volume do seu projeto, sempre ativo, aqui iniciado há uns 45 anos, e que recebe o título de “Pe. Cícero: O Calvário de um Profeta dos Sertões”, que nos chega precedido pelos anteriores: Os Arquivos do Padre Cícero, de 1977, Cartas do Padre Cícero, de 1982, Padre Cícero - mais documentos para a sua história, de 1989, e Padre Cícero - sacerdote, médico e conselheiro, de 1992.
Em diversas ocasiões, momentos como estes, sempre nos ocorre a vontade de lembrar a sensível percepção de Pe. Murilo de Sá Barreto a nos testemunhar a grandeza histórica desta cidade e de seu povo. Pois bem, ainda lamentamos o quanto não nos foi possível avançar para constituir um grande acervo, de preferência como um Arquivo Público para esta cidade, de modo a preservar todos estes elementos que se configuram em dezenas de itens, como documentos, livros, fotografias, jornais, folhetos, gravações, vídeos, filmes, monografias, dissertações, teses, literatura de cordel, xilogravura, arte popular, folhetos, catálogos, boletins, correspondência, etc.
Deixo aqui esta insatisfação que temos porque isto, e me permita que assim possa referir, é parte de uma pauta que está inserida nesta missão salesiana como herdeiros do Pe. Cícero e que toca não somente a tarefa educacional com este colégio e o que mais possa ser semeado, mas também pelos sítios históricos que contemplam a Colina do Horto, o Museu Casa do Pe. Cícero e este acervo documental de que falamos, o famoso Arquivo do Padre Cícero. Creio piamente que a oportunidade é a de se pensar em algo mais, não mais episódico, mas institucional, para alargar mais ainda esta responsabilidade social candente e que coloca na atualidade equipamentos e instituições que congregam a visão atualizada dos filhos de Dom Bosco pelo mundo, e a atenção particular desta terra que os recebe, os abriga e os auxilia prazerosamente na sua missão evangelizadora.
Este seu livro mais recente está respaldado numa avaliação preliminar de Núbia Ferreira, tão conhecedora desta questão memorial dos filhos de Dom Bosco, exatamente ela que já nos deu para o conhecimento mais que aprimorado, a trajetória educacional deste colégio e dos seus mais experimentados educadores não deixando de referir a você como “reconhecido no meio intelectual como um dos importantes colaboradores da historiografia sobre instituições religiosas e educacionais, especialmente, com as suas publicações sobre o Padre Cícero e o Juazeiro do Norte.”
A obra que você nos entrega tem uma marca pessoal de revisar a história local, desde o pano de fundo de um contexto de sociedade brasileira, revisitando as relações de Estado e Igreja, dos quais não se dissocia a presença e o peso da Santa Sé, naquilo que você considera a pré-história dos factos do Joaseiro.
Por isso mesmo a sua narrativa esta coerentemente sintonizada com algumas das premissas eleitas nos estudos acadêmicos de que o movimento de Juazeiro influiu e foi influenciado pelos movimentos sociais de sua época, ao tempo em que aqui se constatou que o mundo dos beatos parecia criar uma Igreja dentro da Igreja.
É de grande valia o foco desta sua obra, enfatizando o Calvário que se constituiu a trajetória do Patriarca de Juazeiro, em toda a sua vida. Isto ainda vai comportar muitas reflexões, especialmente pelo passivo que se acumulou na interpretação e no reconhecimento de suas virtudes, como podemos ver na atualidade, em razão dos esforços para a sua reabilitação canônica.
A obra encerra algo de muito valioso e que nos remete à maturidade do seu entendimento sobre a biografia do personagem que não se contenta apenas no ajuntamento temporário de documentos e achegas para as pesquisas, mas percorre ao lado desta biografia heroica, com a inserção de documentos que suportam as análises necessárias e que desembocam na melhor compreensão de sua vida.
Considero particularmente importante a inserção dos anexos, especialmente os que derivaram de documento substancioso elaborado por Mons. Francisco de Assis Pereira, em consulta reservada à Sagrada Congregação da Doutrina da Fé, em 2005 e que revela parte dos bastidores deste Calvário vivido pelo Pe. Cícero, até hoje, tantos anos após a sua ressureição. 
Por último, considero gratificante que sua inquietação ainda se debruce sobre questões que a atualidade impõe para que não sejamos apenas contadores e escutadores de histórias, procurando nas entrelinhas destes escritos e que respondem por indagações como estas que você nos faz (me permita aqui reler):
Qual seria a fisionomia religiosa do Cariri e do Nordeste do Brasil sem a presença de Cícero Romão Batista no Juazeiro do Norte?  Como seria a situação social, política e econômica do Juazeiro sem a influência do padre? A história do Pe. Cícero seria diferente, se os Bispos de Fortaleza e Crato tivessem sido mais abertos, mais sensíveis a um dialogo vis a vis, presencial com o acusado? Que teria acontecido em termos religiosos, se o sacerdote tivesse se insurgido diretamente contra as normas de Fortaleza e Crato? O padre deveria ter esperado mais, ter consultado seu bispo e aguardado o parecer dele, antes de acreditar no episódio de Maria de Araújo como miraculoso? O fato de as duas Comissões de Inquérito terem conclusões diferentes não é sintomático? Alguma trama, algum cambalacho? Que aspectos do comportamento do Pe. Cícero nos parecem hoje, mais significativos? Sem Maria de Araújo e José Marrocos teria acontecido o “Milagre” do Juazeiro? Por que havia interessados em denegrir, a figura do Pe. Cícero?
Apresento-lhe nossos parabéns, Pe. Antenor. Mais que isto, nosso agradecimento sincero por toda esta obra historiográfica que seu esforço construiu em tantos anos de pesquisas, leituras, reflexões e estes seus preciosos livros, como este último. 
Muito obrigado! É de coração que o fazemos.
(Discurso pronunciado no lançamento do livro Pe. Cícero: O Calvário de um Profeta dos Sertões, do Pe. Antenor de Andrade Silva, no Colégio Salesiano de Juazeiro do Norte, em 27.03.2015)